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HABITAÇÃO
Ex-líderes de grupos de moradia ocupam cargos de confiança nas gestões Lula e Marta e aprovam tática de invasão
Sem-teto têm aliados em governo petista
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Evaniza Rodrigues, 34, Raimundo Bonfim, 40, e Benedito Roberto Barbosa, 43, perderam a conta
de quantas invasões de prédios
públicos e particulares já chegaram a participar -na maioria das
vezes, na condição de líderes dos
grupos de sem-teto- nas duas
últimas décadas em São Paulo.
Eles estiveram na linha de frente
das maiores invasões já feitas na
capital paulista, incluindo a de
outubro de 1999, quando 6.100
sem-teto entraram em seis imóveis -entre eles a área do edifício
do TRT (Tribunal Regional do
Trabalho) na Barra Funda, cuja
obra, até então inacabada, ficou
nacionalmente conhecida pelo
desvio de R$ 169,5 milhões.
Na madrugada da última segunda-feira, os três tiveram de
acompanhar "de camarote" as sete tentativas de invasão em São
Paulo, incluindo a de um quartel
desativado da PM. Agora eles não
podem mais participar -ao menos diretamente- das ações, mas
continuam aprovando essa "ferramenta de reivindicação".
Os três são aliados dos sem-teto
nos governos federal e municipal.
Ou, na visão de alguns, aliados
dos governos petistas de Lula e
Marta Suplicy entre os sem-teto.
Evaniza Rodrigues, ex-coordenadora da UMM (União dos Movimentos de Moradia), ocupa hoje a função de chefe-de-gabinete
da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das
Cidades. Na quinta e na sexta-feira da semana retrasada, esteve
reunida com os sem-teto que fizeram as invasões dias depois. Na
pauta de discussão, diz Rodrigues, assuntos de governo.
"Fazemos questão de não saber
[das invasões programadas]",
afirma. "Esses instrumentos são
legítimos. As ocupações colocam
a questão da habitação não apenas ao governo, mas à sociedade.
Elas são uma forma de pressão, de
denúncia da situação da moradia,
que é grave", completa ela.
A ex-líder sem teto diz que as invasões "não atrapalham nem ajudam" a administração Lula. No
ministério onde ela trabalha, entretanto, há quem avalie que elas
possam acelerar um projeto que a
própria pasta defende -sob resistência da equipe econômica-
e que esteve no centro das reivindicações dos sem-teto.
Trata-se da criação de um conselho e de um fundo nacional de
moradia, cujos recursos serviriam
como garantia para a população
de baixa renda que quisesse obter
financiamento bancário para a
compra da casa própria.
"Ainda não se chegou a um projeto consensuado entre todos os
atores", afirma Rodrigues, referindo-se às divergências entre as
diferentes alas da gestão Lula para
a colocação do projeto em prática.
Embora também estivesse no
centro das críticas dos sem-teto, a
gestão Lula foi poupada dos efeitos diretos dos protestos. Apenas
prédios do Estado, sob controle
de Geraldo Alckmin (PSDB), foram invadidos. A reclamação era
a mesma: um fundo e um conselho de habitação, mas estadual.
Quem escapou das críticas dos
sem-teto foi a administração
Marta Suplicy (PT), que já criou
um fundo e um conselho municipal, embora esteja longe de ser
unanimidade entre os grupos. É
nesse governo, como assessores
de confiança da Secretaria da Habitação, que trabalham, há mais
de três anos, Raimundo Bonfim e
Benedito Roberto Barbosa.
Os dois ainda fazem parte da direção nacional da CMP (Central
de Movimentos Populares), uma
das quatro entidades que lideraram a última onda de invasões.
Bonfim está no terceiro ano da
faculdade de direito. Mora em um
apartamento da Cohab ao lado da
favela Heliópolis, imóvel conquistado pela mulher depois de uma
invasão. Barbosa é advogado e
atua com os sem-teto há 24 anos.
Ambos descartam a possibilidade de a gestão Marta ter sido poupada em razão de suas ligações
com as entidades. "O movimento
de moradia tem total autonomia",
diz Bonfim. Hoje eles avaliam que
a prefeitura não tem como resolver sozinha os problemas de habitação. "A máquina pública não
está azeitada para resolver de forma rápida", afirma Barbosa.
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