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CIDADE PARTIDA
Urbanistas e historiadores vêem planejamento como causa da divisão social na ocupação de São Paulo e do Rio
Segregação entre ricos e pobres tem raízes históricas
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A imagem da cidade partida em
duas classes parece recente quando se analisam os conflitos na favela da Rocinha (zona sul do Rio),
que fizeram o carioca evitar a circulação, principalmente nas duas
últimas semanas, em áreas próximas de favelas. Um mergulho na
história urbana das duas mais importantes cidades brasileiras
mostra, no entanto, que essa divisão, além de ter raízes históricas,
foi também planejada.
Autores de livros sobre a história urbana do Rio e de São Paulo
lembram que a separação do espaço das duas cidades entre ricos
e pobres teve quase sempre como
objetivo facilitar a circulação de
bens e pessoas, ainda que, para isso, fosse necessário retirar, mesmo que à força, a população que
estava em áreas nobres.
"A população mais pobre nunca
foi o foco do planejamento urbano no Rio. A cidade já nasceu segregada. Dizer que houve falta de
planejamento é um mito. O principal interesse era aumentar a circulação de pessoas e mercadorias.
O problema é que agora os conflitos estão atrapalhando a circulação", diz Fania Fridman, pesquisadora do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e autora do livro "Donos do Rio, em Nome do Rei".
Ela cita um exemplo histórico
da segregação carioca: a chegada
da família real ao Rio, no início do
século 19. Para abrigar a corte de
dom João 6º, foi necessário desapropriar cortiços e aterrar áreas
no caminho que levava o rei de
sua residência (na Quinta da Boa
Vista, zona norte) ao centro. Para
estimular a ocupação desses terrenos pela elite, o Estado deu incentivos fiscais para famílias de
nobres que quisessem construir
suas casas pelo caminho.
A formação urbana de São Paulo, nesse ponto, não difere da carioca. A crônica da expulsão dos
pobres paulistanos para a periferia é tão evidente que aparece na
obra de Adoniran Barbosa (1910-1982), como na canção "Despejo
na Favela".
"As intervenções estavam vinculadas à idéia de renovações urbanas que excluíssem as áreas de
baixa renda da região central. Já
no final do século 19, houve uma
lei que proibia expressamente a
criação de cortiços no perímetro
central", afirma o arquiteto e vereador do PT de São Paulo Nabil
Bonduki, autor de "Origens da
Habitação Social no Brasil".
A professora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP
Maria Ruth Amaral de Sampaio
diz que o Estado também deu incentivos a empresários que construíssem cortiços na periferia.
Bonduki cita como exemplos de
transformação de espaços ocupados por pobres a abertura da praça da Sé (antes ocupada pela população de baixa renda) e o alargamento da rua Libero Badaró
(onde ficavam prostíbulos).
Se o processo de exclusão urbana teve explicação semelhante no
Rio e em São Paulo, a distribuição
da população marginalizada acabou sendo diferenciada.
Para o economista Carlos Lessa,
presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e autor do livro
"O Rio de Todos os Brasis", a geografia carioca e sua formação econômica explicam por que as favelas foram crescendo nos morros
ao lado dos bairros nobres, diferentemente do que ocorreu em
São Paulo, onde houve concentração nas periferias.
"A tendência no Rio era o melhor terreno ser ocupado pela elite, enquanto o dispensável ficava
disponível. Como a cidade é espremida entre o mar e a montanha e isso dificulta o deslocamento, os pobres construíram suas
habitações próximas da elite", diz.
O economista não concorda com
a idéia da cidade partida no caso
do Rio: "É verdade que a cidade
nunca foi capaz de incluir os pobres do ponto de vista da cidadania, mas essa população excluída
sempre teve uma relação simbiótica com a população rica. O bairro onde mora a pobreza sobrevive
em grande parte prestando serviços à elite. Não é à toa que a maior
favela do Rio, a Rocinha, fica ao
lado de bairros com as maiores
renda per capita, como São Conrado e Gávea".
Para Lessa, essa relação simbiótica ainda hoje é chave para entender a questão da violência. "Você
não consegue explicar o poder do
tráfico sem explicar o poder de
compra do asfalto", diz. Ele afirma que as tentativas recentes de
urbanização das favelas cariocas
foram bem-sucedidas ao melhorar as condições de vida em algumas áreas, mas não foram capazes de eliminar o poder do tráfico.
Maria Sampaio afirma que a desigualdade urbana também ajuda
a entender a violência em São
Paulo. "Há ruas onde você pensa
estar numa capital de primeiro
mundo, enquanto, ao lado, populações carentes jogam bolas nas
ruas em troca de moedas. Quando isso se junta ao desemprego,
criam-se condições mais propícias para o aumento da violência".
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