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ENTREVISTA
ONGs da área de Aids apontam ação desmobilizadora do governo
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Ativistas de frentes ligadas à
Aids e a outros movimentos afirmam que o governo petista está
desmobilizando as várias comissões e grupos de trabalho que se
dedicam ao controle social, especialmente na área da saúde.
"O governo está falando em reconstruir as lideranças, como se
isso coubesse a ele e não à sociedade", disse a médica Fátima Oliveira, secretária executiva da Rede
Nacional Feminista de Saúde.
A afirmação foi feita durante
um encontro sobre Aids entre
mulheres promovido na última
semana em Porto Alegre (RS) pelo Instituto Patrícia Galvão, Comunicação e Mídia.
A assessoria do Ministério da
Saúde informou que vem ampliando as possibilidades de controle social e que o ministro Humberto Costa participou de praticamente todos as reuniões do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O CNS é a mais alta instância
deliberativa do ministério e reúne
representantes de secretarias e da
sociedade civil.
Para os assessores do ministro,
o entendimento é que há um excesso de grupos e comissões e o
que está havendo é uma reordenação desses grupos.
Abaixo, trechos da entrevista de
Fátima Oliveira, concedida em
Porto Alegre.
Folha - Essa suposta quebra de
sintonia estaria ocorrendo apenas
na Aids ou igualmente em outros
setores da saúde?
Fátima Oliveira - Em várias outras frentes, mas na Aids essa interferência é mais clara porque
durante anos governo e sociedade
construíram um caminho juntos.
Tudo o que foi conseguido nessa
área, do acesso universal aos medicamentos às campanhas, foi resultado da inter-relação das duas
partes. Esse trabalho conjunto entre sociedade civil e governo era
visto como um exemplo para todo o setor de saúde, era uma referência política consolidada e respeitada. Mas o que estamos assistindo agora é a extinção desses espaços de participação sem que
nada seja colocado no lugar.
Folha - O que vocês, de ONGs,
acreditam que esteja acontecendo?
Oliveira - O que eu percebo é que
todos que chegam a novos postos
querem fazer coisas novas, sem
avaliar se as estruturas antigas e
em vigor estão funcionando. Chegaram a dizer (gente do ministério) que na área da Aids as estruturas estavam viciadas e que era
preciso reconstruir as lideranças.
Mas não é o governo que deve dizer isso, somos nós, a sociedade.
Essa perspectiva de intervenção
em cima dos movimentos sociais
nos preocupa muito, pois é uma
prática autoritária que não esperávamos deste governo. É uma
ambigüidade.
Folha - Vocês acham que o governo quer ter maior poder sobre os
mecanismos de controle social?
Oliveira - Para nós, pelo menos
da Rede Nacional Feminista, essas
atitudes do governo ainda não ficaram claras. Não conseguimos
ver qual o objetivo ou a vantagem
desse desmantelamento. Não há
nenhum avanço em quebrar a inter-relação afinada que vínhamos
tendo sem colocar nada no lugar.
Folha - A senhora sabe dizer qual
grupo ou comissão foi extinto?
Oliveira - Na semana passada, o
Conselho Nacional de Saúde extinguiu praticamente todas as comissões e grupos de trabalho. Um
deles foi a Cismu, Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, onde
governo e sociedade civil atuavam juntos. Dentro da Coordenação Nacional de Aids foi extinta a
Comissão Mulher e Aids.
Não há dúvida de que os movimentos, não só os de Aids e de
mulher, estão perdendo com isso.
É possível que esse desmantelamento seja apenas um congelamento num momento de passagem [por exemplo, Mario Scheffer, representante dos usuários no
CNS, diz que depois que o atual
governo assumiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar nenhuma reunião da Câmara Suplementar de Saúde foi realizada].
A Rede Feminista reúne dezenas de instituições, ONGs, centros
universitários, que se preocupam
com a saúde da mulher. Todos estamos nos sentindo ameaçados e
queremos que as autoridades saibam disso.
AURELIANO BIANCARELLI viajou a
Porto Alegre a convite do Instituto Patrícia Galvão
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