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RIO
Nenhum outro conjunto de moradias precárias foi mais estudado por pesquisadores no século 20 do que o bairro carioca
Rocinha é vedete das favelas, mostra livro
MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO
A Rocinha é imbatível. Nenhuma favela do Rio foi mais pesquisada ao longo do século 20 do que
o bairro encravado nas encostas
da floresta da Tijuca de frente para o mar de São Conrado.
De 1952, quando a estudante de
Serviço Social da PUC (Pontifícia
Universidade Católica) Isaura
Lemgruber Portugal concluiu sua
monografia sobre as condições de
vida dos primeiros moradores,
até 2000 foram produzidos 74 teses e livros sobre a maior favela do
Rio (56 mil moradores em 2000).
Não é apenas a Rocinha o xodó
de antropólogos, sociólogos, urbanistas e de uma legião de pesquisadores que invadiram as favelas da cidade esquadrinhando
problemas, culturas e rotinas. Eles
adoram os morros da zona sul e as
comunidades próximas de seus
centros de pesquisa.
O Rio tinha 513 favelas em 2000.
O livro recém lançado "Pensando
as Favelas do Rio de Janeiro
-1906-2000", o mais completo levantamento bibliográfico sobre o
assunto, mostra que foram produzidos ao longo do século passado 668 títulos. Eles têm como objetos de estudos 243 favelas, incluindo várias já removidas. Neste universo, a Rocinha e 21 favelas
da zona sul da cidade, como o Dona Marta (27 estudos), Cantagalo
(25), Vidigal (22), Pavão e Pavãozinho (16) e a extinta Praia do Pinto (21) protagonizaram quase um
terço da produção do século.
A vedete da zona norte é o Jacarezinho, que inspirou 32 estudos.
Depois vem a Maré (27) e as outras favelas que formam o complexo às margens das Linhas Vermelha e Amarela, próximas do
campus da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) na ilha
do Fundão e do centro de pesquisa de Manguinhos, como a Nova
Holanda (13), a Baixa do Sapateiro (8) e o Parque União (8).
Bibliografia
As favelas têm pelo menos 105
anos (morro da Favella, depois
Providência) de forte presença na
paisagem e cultura do Rio. Desde
1906 são estudadas por engenheiros, sanitaristas, assistentes sociais, jornalistas e, a partir da década de 50, quando incorporadas
à imagem da cidade, por urbanistas, sociólogos, antropólogos.
O conjunto desses estudos, os
668 títulos produzidos ao longo
do século 20, é pouco conhecido,
contém verdadeiros tesouros sobre a história da cidade e está agora disponível, em forma de bibliografia analítica, no livro "Pensando as Favelas...", das sociólogas
Licia do Prado Valladares e Lidia
Medeiros, do Urbandata-Brasil,
centro de documentação de pesquisas urbanas da Universidade
Candido Mendes. Ao longo de
quase cinco anos elas levantaram
todos os títulos disponíveis em 46
bibliotecas do Rio e fizeram buscas nas principais bibliotecas especializadas do país e do mundo.
O cruzamento das informações
disponíveis sobre todos os textos
listados ajuda a compreender a
história da integração e dos conflitos das favelas com a cidade do
asfalto. O acompanhamento cronológico da produção mostra que
os assuntos vêm e vão como ondas. No início havia apenas o interesse pela questão habitacional.
As ciências sociais descobrem
as favelas na década de 50. Elas
são laboratórios de estudos sobre
migração e marginalidade social.
Outro grande momento de estudos se deu no início dos anos
70, a partir das reações provocadas pelas políticas de remoções.
Naquela mesma década, surgem
os conjuntos habitacionais. Depois, estuda-se as políticas de intervenção dos órgãos públicos.
Na década de 90, as pesquisas se
multiplicam, os assuntos se diversificam. Há um boom de estudos
sobre o programa Favela-Bairro,
da prefeitura. Os pesquisadores
são enviados agora também pelas
organizações não-governamentais e pelo poder público.
O tema mais recente documentado em "Pensando as Favelas..."
é o do tráfico de drogas. O primeiro estudo sobre a ação do narcotráfico é a tese de doutorado da
antropóloga Alba Zaluar, "A Máquina e a Revolta", de 1984, com
estudo de campo na Cidade de
Deus, matriz da produção cultural recente sobre o conjunto.
De 1984 a 2000 foram produzidos 43 estudos sobre a presença
do tráfico nas favelas. A grande
produção explode a partir de
1994, com quatro livros, incluindo
"Cidade Partida", de Zuenir Ventura, que virou uma referência.
É o assunto do fim do século,
que começou com a corrida para
a ocupação dos morros após as
demolições dos cortiços do centro
da cidade e que assistiu à consolidação das favelas como solução
popular para a ausência de políticas públicas. O Rio tinha, em 1950,
7% da sua população vivendo em
favelas; em 2000, quase 20%.
PENSANDO AS FAVELAS DO RIO DE
JANEIRO - 1906-2000. Autor: Licia do
Prado Valladares e Lidia Medeiros.
Editora: Faperj e Relume Dumará, 2003
(480 páginas). Preço sugerido: R$ 48
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