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Tráfico limitou circulação, diz socióloga
DA SUCURSAL DO RIO
Coordenadora-geral do Urbandata-Brasil, da Universidade Candido Mendes, e professora visitante na Universidade de Créteil,
em Paris, a socióloga Licia do Prado Valladares é uma das pioneiras
no estudo das favelas do Rio. Sua
tese de doutorado, uma análise
dos programas de remoção, é de
1974 e, editada em livro em 1978
("Passa-se uma Casa"), virou
clássico. (MARCELO BERABA)
Folha - O tráfico de drogas dominou a maioria das favelas do Rio.
Como isso afetou o trabalho dos
pesquisadores?
Licia do Prado Valladares - Antigamente havia poucos pesquisadores e uma atitude mais favorável, porque ele era um personagem raro. E não havia ainda o
controle do tráfico. Você circulava livremente pelas favelas.
Hoje a situação é muito mais delicada. O pesquisador precisa negociar sua entrada. Muita gente
negocia com as ONGs [organizações não-governamentais], com
moradores que já estão nas universidades, os doutores das favelas. Isso facilita. Várias agências
dos governos têm tentáculos nas
favelas, e você entra por aí. Mas
não entra assim, de peito aberto.
Folha - Isso não afetará a qualidade da produção acadêmica?
Valladares - Pode afetar. Mas você teria que conversar com as pessoas que estão começando a trabalhar em favela agora. Eu não tenho problema [na Rocinha] porque sou conhecida e vou por meio
das pessoas que me conhecem há
várias gerações. Mas tem certas
áreas onde não vou.
Folha - Isso não ocorria antes?
Valladares - Quando comecei a
fazer trabalhos não tinha tráfico
de drogas na favela, não era perigoso. Mas não é só na favela que
há dificuldades. Dou o exemplo
de uma colega socióloga: resolveu
estudar os condomínios fechados
da Barra da Tijuca e teve grandes
dificuldades. As pessoas de classe
média e alta desconfiavam e não
queriam ser incomodadas.
As pessoas estão um pouco saturadas com os pesquisadores. E
acho que tem muita gente que vai
para a favela porque acha favela
interessante, porque acha exótica.
A minha conclusão é: deixem as
favelas um pouco em paz. A
quantidade de trabalho [668 estudos] mostra que há muito material sobre o qual se pode trabalhar. O momento é de reflexão.
Folha - Que áreas do Rio deveriam ser melhor estudadas?
Valladares - O número de estudos sobre loteamentos clandestinos na periferia é muito pequeno.
Não interessa aos pesquisadores
porque é longe, feio, não fica em
morro, não fica perto da universidade, é um calor horroroso, não
dá ibope. E é um fenômeno antigo
e importantíssimo porque toda a
expansão da Baixada Fluminense
ocorreu por loteamento irregular.
Folha - O que fazer com as favelas, que continuam a crescer?
Valladares - A população não é
boba, as pessoas são muito espertas, sabem agir. Vivemos num sistema onde cada um tem de se virar e cada um se vira como pode.
Quem invade é porque vê naquilo
a única solução possível. E quem
aluga paga uma fortuna por uma
moradia dentro de favela porque
sabe que é a única maneira de se
instalar no bairro. As pessoas encontram as soluções que podem.
E têm de encontrar solução. A expansão das favelas é irreversível.
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