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GILBERTO DIMENSTEIN
Está em andamento uma rebelião sem volta
Começou a percorrer o país,
na semana passada, uma
notável lição de cidadania. É
uma exposição, em praça pública,
de uma série de produtos, na qual
uma só idéia está à venda: a de
que o consumidor não sabe quanto deixa para o governo ao comprar qualquer coisa -de um automóvel a um chiclete.
Ao analisar as placas com porcentagens grudadas em cada produto, o visitante da exposição saberá, por exemplo, que, ao adquirir um carro de mil cilindradas,
terá deixado 44% para o poder
público. Cada vez que enche o
tanque com gasolina, são mais
53% em impostos.
Os organizadores dessa experiência, exibida no centro de São
Paulo, apostam no seguinte:
quando o consumidor, de fato,
souber quanto o governo lhe tira
diariamente, haverá mais pressão
para que melhore o desempenho
da administração pública.
Essa exposição é um detalhe pedagógico de um crescente movimento no país. "Está em gestação
uma rebelião", afirma Gilberto
Luiz do Amaral, advogado especialista em impostos, presidente
do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.
A semana passada deu sinais de
que há algo novo nascendo no
país: uma inconformidade crescente, que envolve líderes empresariais, dirigentes de trabalhadores e classe média, todos contra a
carga de impostos.
Sindicalistas foram a Brasília
para pedir ao governo que baixasse impostos e, assim, ajudasse
os empresários a criar mais empregos -assim seria possível, segundo eles, viabilizar o pedido de
redução da jornada de trabalho
sem diminuição dos rendimentos
dos empregados.
Embute-se aí a percepção dos
trabalhadores de que mais impostos significam menos empregos, o
que vai muito além de reivindicações corporativas.
Diante da gritaria geral, o presidente Lula, na terça-feira, cedeu
às pressões e voltou atrás: não vai
mais aumentar a contribuição
previdenciária.
Na sexta-feira, o ministro da
Fazenda, Antônio Palocci, anunciou um pacote que, supostamente, diminuirá em R$ 2,5 bilhões a
carga tributária. Talvez sirva para aliviar o crescente desconforto
da opinião pública em relação à
voracidade fiscal da gestão Lula.
Prepare-se: é apenas o começo.
A experiência do Feirão dos Impostos é apenas um ínfimo detalhe pedagógico no panorama de
uma rebelião que, silenciosamente, sem manifesto nem porta-voz,
vem sendo feita pelas centenas de
milhares de pessoas que optam
pela informalidade, ou seja, pela
clandestinidade.
Uma coisa é os jornais informarem que, em 1988, a carga tributária representava 22% do PIB e
agora representa 40% -o que é
algo incompreensível para o cidadão comum. Outra é saber que isso custa, por ano, cerca de R$ 212
bilhões. E mais: saber que cada
brasileiro trabalha quatro meses
e 18 dias só para manter os governos. Mais ainda: saber que a carga de impostos dificulta a geração
de empregos e, conseqüentemente, inibe os aumentos salariais.
Trabalha-se cada vez mais para
manter os governos. E cada vez
mais para comprar os serviços
privados que, em tese, deveriam
ser públicos. Está nisso a essência
da rebelião.
Não está faltando muito para o
indivíduo, ao comprar uma barra
de chocolate, saber quanto está
deixando para o poder público. E,
ao sair do supermercado, irritar-se ainda mais ao ver o buraco da
rua ou a criança abandonada pedindo dinheiro no semáforo.
Se cada cidadão soubesse que,
por ano, dá quatro meses e 18 dias
em impostos e ainda recebe tão
pouco de volta -e não se esquecesse dessa conta-, seria natural
que a pressão pela eficiência pública fosse ainda maior. E a capacidade dos governantes de tentar
tirar mais dinheiro, menor.
Para desespero dos poderosos, o
que está em jogo é simples. É justamente o que se vê na experiência da exposição, em praça pública, de produtos, digamos, pedagógicos. À medida que a democracia se aprofunda, o cidadão vai
conhecendo mais seus direitos.
Não dá para o governante confiar por muito tempo mais na ignorância de quem, além de trabalhar tanto e cada mais vez para
sustentá-lo, ainda recebe pouco.
Está em construção uma nova
agenda brasileira, na qual o desempenho do governante será
medido pela eficiência administrativa combinada com o respeito
ao contribuinte. Ou seja, gastar
melhor com menos dinheiro.
PS - Uma medida simples e barata ampliaria enormemente o
efeito pedagógico daquela exposição. Cada produto vendido deveria levar o valor dos impostos na
embalagem e na nota fiscal. Seria
uma implacável lição diária, a
começar das crianças que comprassem um sorvete. Se dependesse de mim, eu daria a essa informação a mesma visibilidade das
chamadas para os produtos perigosos para a saúde como as advertências sobre os perigos do tabagismo nos maços do cigarro.
Desculpe-me pela obviedade,
mas o cidadão tem o direito de saber, em detalhes, quanto de seu
dinheiro (e de que maneira) é
usado. É a forma de os governantes não fazerem à saúde do contribuinte o mal que o fumo faz
aos pulmões dos indivíduos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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