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INFÂNCIA
Rede de prostituição alicia menores em Manaus; jovens confirmam existência de rota internacional de tráfico
Quadrilha exporta meninas para Venezuela e Guiana
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
Meninas de 14 e 17 anos estão
sendo aliciadas em Manaus para
participar de um esquema internacional de prostituição, que passa por Boa Vista (RR) e tem como
destino cidades fronteiriças da
Guiana e da Venezuela.
Policiais da Delegacia Especializada na Assistência e Proteção a
Criança e Adolescência de Manaus, e da Delegacia da Mulher
em Boa Vista (RR), colheram 34
depoimentos em seis inquéritos
-sendo 25 de menores- que
confirmam a existência da rota
internacional de prostituição.
Vinte e nove adolescentes foram recrutadas em Manaus, cidade preferida dos aliciadores.
Uma comissão composta de representantes de organizações
não-governamentais, do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
de Roraima vai se reunir em Santa
Elena Uairén, cidade fronteiriça
da Venezuela, com autoridades
locais para discutir o problema.
"O esquema envolve muito gente de poder. É uma quadrilha internacional. Temos de ir até o
fim", diz a delegada Graça da Silva, de Manaus.
Os depoimentos das meninas
revelam as estratégias dos aliciadores: eles fazem o primeiro contato em casas de shows, lanchonetes e escolas de Manaus. Prometem ganhos de até R$ 100 por dia e
nem sempre revelam que as garotas terão de se prostituir.
"O Junior [Waldir Nonato dos
Santos Filhos, um dos acusados]
me levou à casa dele para ver o
meu corpo. Dizia aos clientes que
eu havia perdido a virgindade fazia pouco tempo.", disse T.S., 16.
"Conheci um cara em uma boate de Manaus. Ele me convidou
para ir à Venezuela. Prometeu
que eu ganharia bem. Aceitei e
adulterei minha identidade para
19 anos", contou R.A., 14, em depoimento à polícia.
Quatro pessoas citadas em 14
depoimentos já foram indiciadas
por favorecimento a prostituição
na delegacia de Manaus: Rozilda
Maria de Lima, a Kika, 37, e Leonor Cabral Icassatti, 40, proprietárias das boates Afrodite e MC
(Meninas Carinhosas) com filiais
na Venezuela. Os outros são o desempregado Sebastião André Silva Costa, 27, e o cabeleireiro Júnior, 18. Ele negam as acusações.
Os aliciadores pagam as passagens de ônibus para Boa Vista e
colocam as adolescentes dentro
dos ônibus interestaduais à noite
para driblar a fiscalização do juizado de menores.
Para o pesquisador sobre tráfico
de crianças e adolescentes Macel
Hazeu, Manaus virou uma cidade
que exporta meninas. "A rota do
tráfico internacional na Amazônia se intensificou", disse. "É um
quadro muito grave. Nos municípios não há política de enfrentamento dessa situação. Não existe
controle nas fronteiras e os documentos são falsificados, o que facilita a saída das meninas do
país", disse Hazeu.
Pelos depoimentos é possível
traçar um perfil preliminar das
meninas: são de classe média baixa, usam celulares e frequentam a
escola e os shoppings de Manaus.
Uma situação que preocupa a
políciais é que poucas famílias
prestam queixa a exemplo do que
fez a dona-de-casa Cleide Marinho. "Minha filha foi seduzida. O
que estão fazendo com as crianças
é um crime", disse.
Depois de entrarem no esquema, as meninas são tratadas como
escravas: deixam quase todo o dinheiro que ganham com os
"agentes" que marcam os encontros, não podem sair na rua e são
constantemente ameaçadas pelos
seguranças das boates.
"Quis voltar à Manaus, fiquei
dois dias trancada num quarto,
sem comer ou beber como forma
de castigo. Sem opção aceitei fazer
o programa", conta D.C.O., 17.
O Conselho Tutelar da Criança
e Adolescência da Zona Leste, em
Manaus, estima que 5.000 adolescentes estão se prostituindo.
"Famílias desestruturadas e o
aliciamento dentro da própria casa contribuem para a explosão de
casos. Os aliciadores estão até
dentro das escolas, por meio de
amigas que fazem programas. É
uma situação de calamidade",
afirma o conselheiro municipal
Norberto Duarte.
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