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GILBERTO DIMENSTEIN
O mito USP está chegando ao fim?
Considerada um dos
mais importantes centros de
excelência da América Latina, a
Universidade de São Paulo aparece menos nos jornais pelas suas
pesquisas acadêmicas do que pelas manifestações de professores e
de alunos, inconformados com o
salário e com o nível de ensino.
Na semana passada, por exemplo, os professores anunciaram
uma paralisação por melhores salários, enquanto os alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH), em
greve, chamavam a atenção para
as sofríveis condições de ensino
da USP -entre os problemas, a
falta de professores.
Para quem viveu altas doses de
estresse para entrar na USP, a falta de professores é uma decepção
monumental. Diante desses comentários boca a boca dos estudantes e da rotina do noticiário
sobre a crise, o mito da USP sofre
abalos diante dos vestibulandos?
Ou seja, eles começam a pensar
em alternativas?
Para responder a essa questão,
fiz uma pesquisa com coordenadores e professores de 15 escolas
de elite de São Paulo, entre elas
Santa Cruz, Dante Alighieri, Santo Américo, Santa Maria, Bandeirantes, Lourenço Castanho, Augusto Laranja, Equipe e Nossa Senhora das Graças. São escolas cujos alunos têm mais condições de
entrar nas melhores faculdades
-e a maioria deles de pagar altas
mensalidades.
O fato inequívoco: a USP ainda
inspira respeito, especialmente
nas áreas de exatas e de biológicas, mas o mito está abatido.
Uma fatia expressiva dos candidatos vindos dessas escolas, especialmente os que optam pela área
de humanas, nem sequer coloca a
USP como primeira opção -prefere faculdades privadas.
Coordenador pedagógico do terceiro ano do ensino médio do colégio Lourenço Castanho, Wagner Borja diz: "Poucos alunos
nossos ainda alimentam a idéia
de que a USP é um centro de excelência". Eles fazem visitas monitoradas à Cidade Universitária e
sentem-se incomodados. "Muitos
desaprovam as instalações. Os
prédios estão em péssimas condições de conservação, há bibliotecas abandonadas e vazamentos
de água em diversos pontos", lamenta.
"Os estudantes que querem cursar arquitetura ficaram decepcionados com o estado do prédio da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo", informa Onofre Rosa,
coordenador pedagógico do Colégio Bandeirantes, onde, entre os
que vão seguir carreira na área de
humanas, foi detectada a tendência de deixar a USP como segunda opção. "Professores da USP se
aposentam e dão aulas nas faculdades particulares. Isso sugere a
possibilidade de excelência fora
das instituições públicas", acrescenta o coordenador pedagógico.
Em uma pesquisa com 77 estudantes, Eduardo Roberto Castor,
diretor do colégio Nossa Senhora
das Graças, constatou que a fama
da universidade pública ainda
pesa e faz com que ela permaneça
sendo a primeira opção. Mas o
mito está abalado. Estudantes
que sonham em fazer um curso de
humanas chegaram a sugerir, na
pesquisa, a possibilidade de adiar
o ingresso na USP até a situação
melhorar.
Thomas Gaia, 17 anos, é presidente do grêmio do colégio Santa
Maria. Ainda não sabe se vai cursar relações internacionais ou jornalismo. "Sei que, se me der bem
no vestibular, vou para a USP",
disse, ressalvando que, não fosse
pelo dinheiro, optaria por uma
faculdade privada. "Nós ficamos
assustados com a quantidade de
greves e de paralisações."
Faculdades privadas, de olho no
competitivo mercado, estão pagando bons salários aos professores e desfalcam as instituições públicas. Oferecem melhores condições de ensino e adaptam-se mais
rapidamente às exigências do
mercado. É o que já se vê com nitidez em áreas como administração de empresas, economia, direito, psicologia, jornalismo, marketing e publicidade. Estão surgindo
núcleos de excelência em arquitetura e odontologia fora da universidade pública, além de uma
série de cursos sequenciais, de
curta duração, voltados à profissionalização: gastronomia, informática, moda e webdesign, por
exemplo.
O estudante pensa o óbvio: quer
a faculdade que mais o ajude a
colocar-se no mercado de trabalho. Se tiver como bancar a mensalidade -caso da elite que já
paga muito pela escola de ensino
médio-, vai optar por uma instituição privada.
O ensino fundamental e médio
piorou por vários motivos. Entre
eles, o afastamento da elite, que
foi parar nas escolas privadas.
Salvo raras exceções, somente vai
para uma escola pública quem
não tem dinheiro para pagar a
mensalidade de uma particular.
O afastamento da elite também
provocou o afastamento da educação pública das prioridades nacionais.
A questão é tão simples como
dolorosa: essa tendência, ainda
engatinhando, revela o risco de
desmoralização da universidade
pública, onde se faz pesquisa, e o
fortalecimento das faculdades
privadas, voltadas basicamente
para o ensino. Colocar em risco
centros de produção científica é,
como todos sabem, colocar em
risco o desenvolvimento de uma
nação.
A verdade é que a própria universidade pública está sendo uma
das colaboradoras da privatização do ensino.
PS - A pesquisa com as 15 escolas
de São Paulo está na página do
Aprendiz: www.aprendiz.org.br.
E-mail -
gdimen@uol.com.br
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