São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2008

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CONTRA

Direitos dos fetos anencéfalos


"A Medicina, o Direito e as políticas públicas devem atuar no sentido de prevenir e aliviar o sofrimento, mas não de matar o paciente"

PAULO LEÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Supremo Tribunal Federal retoma hoje o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 54, em que se discute se seria lícito em perspectiva constitucional suprimir a proteção do direito penal à criança anencéfala em desenvolvimento no útero materno, tornando assim não passível de punição o seu abortamento provocado.
Seria, pois, acrescentada, por via oblíqua, mais uma hipótese de exclusão de pena ao abortamento provocado por médico, às estabelecidas no art. 128 do Código Penal (I -se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se o aborto resulta de estupro e há o prévio consentimento da gestante).
Cabe ressaltar que a matéria foi levada a conhecimento e julgamento do STF pouco depois de a Turma Especializada do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, haver denegado autorização para abortamento de anencéfalo no HC 32159 (em 17/2/2004-RSTJ vol. 190, p.447), ressaltando não haver previsão no Direito brasileiro para a prática desse tipo de abortamento eugênico.
A anencefalia é uma das anomalias decorrentes do mal fechamento do tubo neural e ocorre entre os 16º e 26º dias de gestação. Conforme documento do Comitê Nacional de Bioética da Itália, que tem aprofundado a análise da matéria com a participação de especialistas de renome internacional, na anencefalia verifica-se ausência completa ou parcial e variável de partes do cérebro, mas partes do encéfalo sempre estão presentes.
Por esse motivo, aliado à neuroplasticidade existente no tronco encefálico nas primeiras fases de vida, não há bases científicas para se afirmar falta de consciência, sensibilidade e percepção à dor naqueles que apresentam essa patologia.
Um exemplo claro nesse sentido, dentre outros, foi o ocorrido com a menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, anencéfala, que faleceu no dia 1º de agosto deste ano no interior do Estado de São Paulo com mais de um ano e oito meses e 15 quilos de peso, em processo de desenvolvimento pessoal.
Sua médica afirmou, enquanto ela estava ainda viva que "a menina é muito ativa, distingue a sua mãe e chora quando não está em seus braços". É lícito suprimir a proteção legal à dignidade e aos direitos fundamentais, o primeiro dos quais é a vida, a crianças como Marcela?
Entendo não serem admissíveis discriminações que busquem retirar a dignidade humana e a proteção dos direitos fundamentais de qualquer pessoa, não importa a presumível brevidade de sua vida e gravidade da deficiência que a acometa, nem o fato de encontrar-se ainda em gestação.
A Medicina, o Direito e as políticas públicas devem atuar no sentido de prevenir e aliviar o sofrimento, mas não de matar o paciente.
Sem dúvida são grandes a dor e o desencanto de saber-se mãe ou pai de filha ou filho anencéfalo, ou portador de qualquer doença grave que abrevie a vida. Porém, parece igualmente claro que o acolhimento dessa criança inocente, com os possíveis e adequados cuidados paliativos, é melhor atitude do que matá-la no útero materno, com todas as conseqüências negativas daí advindas.
Políticas públicas devem ser desenvolvidas nesse sentido, bem como priorizando a prevenção, ainda muito tímida no Brasil, mediante dieta alimentar adequada, de que se ressentem especialmente as mulheres de baixa renda e suplementação de ácido fólico, que tem baixíssimo custo e efeitos positivos variados para a saúde da mulher e da criança e, a partir delas, para a família e para a sociedade como um todo.

Paulo Leão é advogado, procurador do Estado do Rio de Janeiro e coordenador jurídico do Comitê Nacional Brasil sem Aborto



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