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DANUZA LEÃO
Por um pouco de coerência
Você se acha coerente? E como convive com o que
aprendeu na infância -que é
preciso ser honesto e nunca mentir- e passar a vida mentindo,
pelo menos nas coisas banais?
"Está uma delícia essa sobremesa", "que linda, sua filha", "não
posso ir a seu jantar porque vou a
São Paulo". OK, tudo bem, somos
todos muito civilizados, e atire a
primeira pedra quem não disse
esse tipo de mentirinha branca
muitas vezes na vida.
Mas às vezes é difícil: "Você
acha que estou gorda"? Não dá
para dizer que sim; no máximo,
que ela fica melhor mais cheiinha, que estava magra demais.
E "você acha que estou precisando de uma plástica"? Ser franca e dizer a verdade ou mentir
descaradamente?
Mas tem pior: é quando a amiga está desconfiada que o marido
tem um caso e pergunta (fazendo
você jurar que vai dizer a verdade) se você sabe de alguma coisa.
Ah, as mulheres. Não aprendem
que certas perguntas não precisam ser feitas: quando se desconfia de que o marido tem um caso,
é porque ele tem mesmo, mulher
tem faro para essas coisas. É, às
vezes, a maneira mais confortável
de viver é mentindo e sendo totalmente incoerente.
Existem, por exemplo, pessoas
que passam a vida fazendo discursos a favor da honestidade e
da correção, e de repente estão
freqüentando as piores mesas da
cidade -piores no sentido moral-, como se nada fosse. São as
tais das incoerências.
Um dia desses aconteceu uma
festança, daquelas que, antes
mesmo de acontecer, já se sabia
que seria das mais ostentosas que
a cidade já viu, coisa das 1.001
noites. O milionário dono da festa
tem a reputação no mínimo duvidosa e nunca foi poupado nem
pelas melhores nem pelas piores
línguas; afinal, ele não é herdeiro,
não é industrial, não é empresário, nunca teve um emprego na
vida, já deu vários cheques sem
fundos de milhões, já quebrou
muita gente, e todo o dinheiro
que tem foi ganho fazendo negócios bastante discutíveis. Negócios, não: "negócios".
Esses "negócios" são bem interessantes; quer um exemplo? Você
tem um amigo no governo, que
decide que em um determinado
lugar da cidade vai ser aberta
uma avenida. Ele te passa a informação, você compra uma grande
área em torno da futura avenida,
quando ela fica pronta, você vende e fica milionário.
Ninguém roubou ninguém e os
dois ficaram ricos. Sim, porque
quem passou a informação também leva o seu (só que informação privilegiada é crime). E detalhe: no nosso lindo mundo, negócios excusos são perfeitamente
aceitos, desde que proporcionem
muito dinheiro; dinheiro roubado só é crime quando é pouco.
Voltando: quem não foi convidado para a festa vira um pária,
praticamente, e no dia seguinte só
existe um assunto: a tal da festa.
A festa, em termos: ninguém fala se as mulheres estavam ou não
lindas, se pintou um clima com
alguém, se havia pessoas interessantes. Contam, embasbacados,
que estava o homem do petróleo
da Nigéria que veio no seu próprio Boeing, o primo do sultão de
Brunei, e sobretudo do caviar; é,
do caviar. Da marca e sobretudo
da quantidade; essa iguaria exerce uma atração fatal sobre a classe média, e ainda tem a marca do
champanhe, a marca do vinho,
emendando logo com os preços:
um quilo de caviar, US$ 6.000, a
caixa de champagne Krug, US$
1.800, o vinho Château Petrus 92,
US$ 5.224 -a garrafa.
A festa foi para mais de mil e
nunca se viu tanta fartura.
Sejamos tolerantes: todo
mundo gosta de um caviarzinho,
mas não é possível esquecer todos
os seus discursos sobre moralidade por duas colheres de ova de
peixe, mesmo que esse peixe seja
esturjão.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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