São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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BICHOS

SÍLVIA CORRÊA - correa-silvia@uol.com.br

Quando a vida vira pó


Manadas inteiras de rinocerontes têm sido atacadas na maior onda de caça dos últimos 15 anos

Cena comum nos últimos dias: paulistanos posando para fotos ao lado dos simpáticos rinocerontes que invadiram as ruas da cidade. São 60 esculturas de fibra de vidro pintadas por artistas plásticos.
Mas, por trás da colorida manada, está uma cinzenta realidade: os rinocerontes estão sendo dizimados pelo tráfico internacional.
O motor do comércio ilegal são a China e o Vietnã, onde ao pó do chifre desses animais são atribuídas propriedades quase milagrosas. Não há comprovação científica de nada, mas chineses e vietnamitas acreditam que a substância pode curar da gripe ao câncer, além de melhorar a performance sexual.
Se o pó tudo resolve, por ele tudo se paga. Moído, o quilo do chifre -uma estrutura de queratina, muito parecida com as unhas- custa US$ 60 mil, o mesmo preço do ouro.
Nos últimos seis meses duas dezenas de chifres foram roubadas de museus e leilões na Europa. O último caso aconteceu no Museu de Ciências Naturais de Bruxelas. A quadrilha levou a cabeça inteira de um rinoceronte negro empalhado, datada de 1827. A peça, de 30 kg, foi carregada até um banheiro e desceu por cordas, pela janela, até uma van. Foi a gota d'água -muitos museus tiraram peças semelhantes da exposição.
As principais perdas, no entanto, se dão bem longe dali. Manadas inteiras têm sido atacadas na África do Sul, na maior onda de caça dos últimos 15 anos. Neste ano, já foram localizados 279 rinocerontes mortos, com chifres amputados. Em 2007, foram 13 animais.
A matança em série reflete a profissionalização das quadrilhas. Elas agem de helicóptero, com espingardas AK-47 e óculos de visão noturna. Os chifres são tirados a golpe de facão ou motoserra. E, se não morrem do tiro, os rinos sangram até o fim.
A África do Sul concentra mais de um terço dos rinocerontes negros do mundo (2.200 exemplares) e quase todos os brancos (18.800 animais -93% do total mundial). Sob críticas, o governo local promete reagir. Colocou o Exército nas fronteiras e cogita recriar a polícia que protegia espécies em risco, extinta em 2003.
O mais alarmante, porém, ainda está por vir. A ministra do Meio Ambiente, Edna Molewa, disse que o governo estuda a possibilidade de retirar preventivamente os chifres de todos os rinocerontes do país.
A prática já foi adotada pelo Parque Kruger -uma das reservas naturais mais antigas e importantes do mundo. Uma medida extrema para tentar salvar os rinos da extinção.
Mundo afora as iniciativas se multiplicam. Vão de tentativas de inseminação artificial em zoológicos até o uso de células-tronco e estudos de clonagem para aumentar o número de animais. É nesse contexto que entra a colorida savana paulistana. Ao final da exposição, em 20 de outubro, haverá um leilão das esculturas. E o dinheiro arrecadado vai financiar os projetos de preservação da espécie.
Plantar os bichos no meio das grandes metrópoles é mais uma tentativa de chamar a atenção para o problema... antes que a vida vire literalmente pó.


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