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VIOLÊNCIA
No Rio Grande do Norte, militante de direitos humanos diz que segue "liturgia da segurança" para se manter vivo
Ativista é protegido por "sombras" da PF
CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A NATAL
Os tiros que mataram o advogado Gilson Nogueira de Carvalho,
em 20 de outubro de 1996, ainda
ecoam na memória do economista Roberto de Oliveira Monte,
presidente do Conselho Estadual
de Direitos Humanos do Rio
Grande do Norte.
"Ele teve proteção policial por
mais de seis meses [de 6 de setembro de 1995 a 3 de junho de 1996].
Logo depois que ficou sem guarda-costas, foi morto", recorda
Monte, amigo de Carvalho.
O advogado vivia recebendo
ameaças de morte, principalmente por denunciar um grupo de extermínio conhecido no Estado como "Meninos de Ouro", formado
por policiais civis, entre eles Jorge
Luís Fernandes, o Jorge Abafador,
a quem são atribuídos quase 50
homicídios. Na noite de 20 de outubro, foi morto quando chegava
em sua chácara. Carvalho tinha 32
anos e era advogado do Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular, coordenado por Monte, 48.
O economista herdou do amigo
o gosto pela polêmica e o atrevimento nas denúncias. Herdou
também as ameaças que levaram
Carvalho à morte. Por conta disso, desde abril vive sob escolta de
dois homens da Polícia Federal.
Mas a segurança pessoal só foi
obtida um ano e quatro meses depois de a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA) pedir ao governo brasileiro providências para garantir sua
proteção.
Monte começou a sofrer ameaças por telefone em 1997. No início, ligavam para sua casa e um
som de sirene era transmitido.
Depois veio o apedrejamento a
sua residência. E, na sequência,
mais telefonemas nos quais um
desconhecido dizia que estava em
Natal para matá-lo.
Em outubro de 2001, o delegado
Plácido Medeiros de Souza, responsável pelas investigações da
morte de Carvalho, gravou uma
ameaça na qual uma voz não-identificada afirmava que Souza e
Monte iriam morrer. No caso do
delegado, um coquetel molotov
chegou a ser jogado contra seu
carro. Ele saiu ileso.
Em 1996, a ONG Human Rights
Watch já havia solicitado proteção para os dois e outras oito pessoas que constavam de uma lista
de prováveis vítimas. Mas, em
2001, ninguém mais tinha proteção. O Centro de Justiça Global
pediu, então, em dezembro daquele ano, que a OEA notificasse o
governo brasileiro para disponibilizar segurança para ambos.
Sombra
Viver acompanhado 24 horas
por dia por dois homens, que se
tornam uma espécie de sombra
dupla, não é fácil. "Eu raciocino
que vivo numa guerra e, por isso,
tem de ter muita disciplina. Eu
sou um cabra disciplinado."
O economista vive o que classifica de "liturgia da segurança".
Roberto Monte tem a vida protegida, mas virou quase um refém
da própria segurança. "Procuro
evitar locais onde há muita gente." Há alguns meses, houve em
Natal uma passeata contra a guerra no Iraque. Monte pensou em ir.
Foi desaconselhado pelos policiais federais.
Ir à praia também virou passado. E até hábitos comuns são deixados de lado. "Às vezes tenho
vontade de ir a uma sorveteria,
andar pelas ruas da cidade tranquilamente, mas não posso." A
falta de exercícios simples, como
caminhar, por exemplo, já lhe
rendeu alguns quilos a mais.
Outro hábito que precisou ser
contido é a paixão pela internet.
Antes que os seguranças se instalassem em sua casa, Monte conta
que costumava navegar pela rede
mundial de computadores até de
madrugada. Agora, encerra suas
pesquisas por volta de meia-noite.
Apesar de todas as restrições,
ele não se queixa. Ao contrário,
consegue manter o bom humor e,
entre uma conversa e outra, aproveita para mostrar o CD de MP3
com 240 músicas "rebeldes e libertárias" que gravou, os prêmios
que a ONG coordenada por ele
ganhou, os líderes políticos de seu
Estado que foram mortos durante
o período militar (1964-85).
"Sei com quem estou mexendo,
mas também não quero ser mártir." Roberto Monte gosta de polemizar. Um de seus alvos é o secretário-adjunto de Defesa Social
(antiga Secretaria da Segurança),
Maurílio Pinto de Medeiros. "Ele
defende abertamente que a polícia tem de matar bandidos. Mas a
sociedade precisa entender que
isso aqui não é uma questão de
bonzinho versus ruinzinho."
Medeiros foi acusado pelo procurador-geral de Justiça do Rio
Grande do Norte de acobertar os
matadores do grupo "Meninos de
Ouro". Mas nada foi provado
contra ele.
Em declarações a emissoras de
TV locais, o delegado afirmou que
não vai mudar seu jeito.
"O cabra que não tem medo é
louco", diz Monte. Ele, porém, segue seu trabalho. "Quanto mais
pessoas eu conheço, mais minha
blindagem aumenta."
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