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AMBIENTE
Depósito que pertence à Solvay está às margens do rio Grande, que abastece 1,2 milhão de pessoas na Grande SP
Cal contaminada será isolada, não despoluída
MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL
Contrariando determinação do
Ministério Público, a Solvay Indupa do Brasil não fará testes com
tecnologias de descontaminação
on site (no local) no seu depósito
de cal em Santo André (ABC).
A empresa fará apenas o confinamento geotécnico do local,
com a instalação de barreiras hidráulicas e estações de tratamento
das águas subterrâneas.
Essas medidas foram exigidas
num acordo assinado em dezembro de 1999 pela multinacional, o
Ministério Público, o Greenpeace
e a Cetesb (agência ambiental do
governo paulista) -meses depois
de a contaminação do depósito de
cal ter sido denunciada pela ONG.
O documento previa que fossem estudadas alternativas de
descontaminação e que elas fossem aplicadas sobretudo nos
pontos críticos ("hot spots").
Para o promotor José Luís Saikali, da 7ª Curadoria Geral de
Santo André, o confinamento é
uma solução satisfatória se encarada apenas como temporária.
Em fevereiro deste ano, em reunião com as partes envolvidas na
contaminação, ele determinou
que a Solvay fizesse testes em escala piloto nos "hot spots", pelos
próximos anos, com duas tecnologias sugeridas pelo Greenpeace.
O terreno da empresa, de cerca
de 210 mil m2 -quase 30 campos
de futebol oficiais-, está contaminado por substâncias tóxicas
como metais pesados (principalmente mercúrio), organoclorados (compostos em geral cancerígenos), dioxinas e furanos (2 dos
12 poluentes orgânicos persistentes, que, pelo perigo ao ambiente e
à saúde, devem ser banidos pelo
Brasil e pelos demais signatários
da Convenção sobre Poluentes
Orgânicos Persistentes).
Tudo isso está há décadas na região de mananciais da Grande
São Paulo, às margens do rio
Grande, mais importante contribuinte da represa Billings e que
abastece por volta de 1,2 milhão
de moradores do ABC.
Para Saikali, a Solvay, ao fazer o
confinamento sem testar a descontaminação, está descumprindo o acordado há três anos.
"Vejo duas saídas. Ou a Solvay
me apresenta um plano muito
bom de compensação ambiental,
que pode incluir investimentos
em pesquisa sobre tecnologias de
descontaminação e proposta de
ajuda às comunidades vizinhas à
área da empresa, ou posso entrar
com ação civil pública", disse depois de ter visitado, há aproximadamente um mês, o terreno com a
cal contaminada.
Para o Greenpeace, o confinamento definitivo é temerário,
principalmente por causa da localização do depósito. "A Solvay
tem de fazer a coisa certa e descontaminar. Tem também de ser
penalizada porque não está agindo de boa-fé", diz Jonh Butcher,
coordenador da campanha de
substâncias tóxicas da ONG.
Fator tempo
"Há formas de fazer o confinamento bem-feito. É uma alternativa segura, se bem monitorada,
mas não deve ser definitiva, porque existe o fator tempo. Daqui a
30, 50, cem anos, é difícil garantir
que o responsável pela área manterá o nível de controle. É preciso
buscar um tratamento para garantir que aquilo não estará mais
lá", diz a professora Maria Eugênia Boscov, do Departamento de
Engenharia de Estruturas e Fundações da Escola Politécnica da
USP e pesquisadora na área de
análise e riscos geo-ambientais.
A opinião é compartilhada pela
bioquímica Ruth Stringer, pesquisadora-sênior do laboratório
do Greenpeace na Universidade
de Exeter (Reino Unido), que
acompanha o caso da Solvay desde o fim dos anos 90.
Desde o início do ano, a empresa está fazendo obras de pré-confinamento no depósito (aplainando os montes de cal e cobrindo
provisoriamente com plástico) e,
com isso, mudando toda a configuração da contaminação do local -que foi mapeada em 99.
De acordo com a Cetesb, a movimentação elimina os "hot
spots", o que inviabiliza os testes-piloto e implica que uma eventual
descontaminação terá de ser feita
em todo o terreno, e não de forma
localizada. A extensão da área e a
mistura de contaminantes torna
tal tarefa extremamente difícil,
admite o gerente da agência em
Santo André, Luiz Antônio Brun.
Segundo Brun, ao concordarem
com o confinamento, mesmo em
caráter temporário, o Ministério
Público e o Greenpeace deveriam
ter em mente, porém, que ele não
poderia ser feito sem alterar a
configuração da contaminação.
A Cetesb faz eco ao discurso da
Solvay de que não existe problema em um confinamento adequado. "A área não pode ficar como está enquanto se estuda uma
alternativa de descontaminação.
O confinamento é seguro porque
será alvo de um monitoramento
constante. Vamos ficar em cima",
afirma Brun.
É verdade que há diversas áreas
contaminadas na Europa e nos
EUA que tiveram confinamentos
bem-sucedidos. Mas um contra-exemplo do uso exclusivo da remediação é o do aterro da indústria química ICI Chemicals and
Polymers, no Reino Unido, que,
depois de quase 50 anos confinado, começou a vazar, obrigando a
empresa a comprar as casas das
famílias que já viviam na região.
O material era bem parecido: cal
contaminada por compostos orgânicos e mercúrio. O aterro foi
coberto com argila e cinzas, parte
em 1952 e parte em 1973, mas, em
janeiro de 2000, a ICI informou
um vazamento de hexaclorobutadieno (produto tóxico que, em
testes com animais, mostrou potencial para afetar rins e fígado)
nas casas vizinhas.
A EPA (agência ambiental norte-americana) afirma que confinar é geralmente só uma parte do
processo de descontaminação.
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