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SEGURANÇA
Restrição de comércio não afeta contrabando, mas pode impedir que armamento legalizado reforce arsenal do crime
"Ficha" de arma define efeito de proibição
ALESSANDRO SILVA
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Um estampido forte. O repórter-fotográfico Luis Antônio da
Costa, 36, cambaleia e cai, baleado. Correndo, o suspeito fotografado pelo jornal "Agora" tem à
mão um revólver -principal arma do arsenal criminoso no país.
O caso é mais um a alimentar o
debate nacional sobre a proibição
do porte e da venda de armas
-proposta aprovada pelo Senado, que ainda será votada na Câmara, proíbe o porte a particulares e prevê um referendo sobre a
comercialização.
A origem -legal ou clandestina- do armamento utilizado por
criminosos é o centro do debate
entre os grupos pró-armas e pró-controle. Se o revólver usado para
matar o fotógrafo for localizado,
será possível rastrear sua origem e
ver que lado terá os argumentos
fortalecidos.
Existe a possibilidade de que o
revólver tenha sido legalmente
vendido e registrado, antes de parar em mãos criminosas graças a
um roubo ou extravio. Nessa hipótese, a eventual proibição do
comércio teria impedido que chegasse às ruas.
Mas a arma também pode ter sido exportada, antes de voltar ao
país contrabandeada. Por essa
via, chegaria às mãos do criminoso mesmo que a comercialização
fosse vetada no mercado interno.
O Iser (Instituto de Estudos da
Religião) analisou 19.626 armas
usadas em crimes e apreendidas
pela polícia do Rio entre 1996 e
1999. Nada menos do que um
quinto tinha origem legal. Dessa
parcela, cerca de 75% já não estavam com o comprador original
no momento do crime. "Depois
que a arma sai da loja, perde-se o
controle", diz o sociólogo Ignácio
Cano, 40, coordenador do estudo
e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, até janeiro de
2000, quase um quinto das armas
registradas desde 1995 haviam sido furtadas (58.533), roubadas
(35.563) ou extraviadas (6.020).
Ou seja, em cinco anos, 100.116 armas caíram na clandestinidade.
O dado paulista inclui empresas
de segurança que, eventualmente,
tiveram armas roubadas.
Não há estatísticas precisas sobre o número de armas contrabandeadas no país. Há dois anos,
a Folha rastreou a trajeto percorrido por três pistolas de fabricação nacional apreendidas em dois
crimes de repercussão em São
Paulo -um sequestro e um arrastão no shopping Eldorado. As
armas haviam sido fabricadas no
Brasil, exportadas para o Paraguai
e o Uruguai e reintroduzidas clandestinamente no país. Uma delas
voltou após um ano e sete meses.
Legais ou ilegais, o certo é que,
das armas usadas por criminosos
no país, a imensa maioria é brasileira. Segundo o Iser, quase 90%
são de fabricação nacional.
O estudo do instituto também
revelou que armas leves, como revólveres e pistolas, compõem
quase 80% do universo das
apreendidas. Fuzis e metralhadoras são apenas 6,2%.
Prevenção
Outro ponto de discórdia entre
grupos pró-armas e pró-controle
é o uso de armas como fator de
prevenção da violência. "Não é
certo se a posse cumpre com a finalidade de se proteger ou prevenir crimes ou se, ao contrário, torna a violência mais provável", escreveu o criminólogo Túlio Kahn,
38, no livro "Armas de Fogo II",
do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente).
Segundo ele, há uma expectativa entre pesquisadores de que os
efeitos de controle de armas sejam maiores entre os crimes de
natureza passional. "O impacto
depende da natureza do crime."
"Proibir o porte é 5% do problema, porque isso não impede que
pessoas continuem comprando
armas para mantê-las em casa",
diz o economista Luciano Bueno,
41, autor de uma dissertação de
mestrado sobre políticas públicas
de controle de armas, apresentada na Fundação Getúlio Vargas.
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