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No 1º dia de debate, religiosos divergem sobre anencefalia
Das entidades ouvidas pelo STF, 3 foram contra a interrupção da gravidez e 2, a favor
Único ministro presente
à audiência, Marco Aurélio Mello, relator da matéria, disse que dará voto favorável à tese de interrupção
ANDRÉA MICHAEL
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No primeiro dia da audiência
pública realizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para
discutir a possibilidade de interrupção da gravidez em caso
de feto anencéfalo, representantes de segmentos religiosos
demonstraram divergências
sobre o tema que vão desde a
discussão sobre a existência ou
não de vida nestes casos até a
garantia que o Estado deveria
assegurar à mulher para tomar
tal decisão.
Das cinco entidades ouvidas,
três foram contra a tese favorável à interrupção da gravidez
que a CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde) levou ao tribunal
-CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Associação Nacional Pró-Vida e
Pró-Família e Associação Médico-Espírita do Brasil.
Defenderam a possibilidade
de interrupção da gravidez a
Iurd (Igreja Universal de Reino
de Deus) e a entidade Católicas
pelo Direito de Decidir.
Único ministro presente à
audiência, Marco Aurélio Mello, que é relator da matéria,
disse que votará favoravelmente à tese da CNTS. Ao comentar
as divergências entre as entidades, afirmou que "a balança da
vida tem dois pratos".
Falando pela CNBB, o padre
Luiz Antônio Bento disse que,
da perspectiva científica, nos
casos de anencefalia não há ausência de cérebro, mas só de
partes dele, o que configuraria a
existência de vida. "A vida tem
que ser preservada sempre.
Mesmo que haja anomalias. A
dignidade da pessoa não está
no seu exterior, no seu modo de
ser, mas no seu próprio ser."
A Universal foi representada
pelo bispo Carlos Macedo de
Oliveira, que embasou sua argumentação em duas teses: a
laicidade do Estado e a escolha
da mulher em qualquer tipo de
gestação, mesmo em uma "sociedade machista".
Oliveira citou uma passagem
bíblica (Eclesiastes) para dizer
que há respaldo para o aborto
no livro: "Se o homem gerar
cem filhos, e viver muitos anos,
e os dias dos seus anos forem
muitos, e se a sua alma não se
fartar do bem, e além disso não
tiver sepultura, digo que um
aborto é melhor do que ele".
O ponto de concordância entre as entidades foi o fato de que
a anencefalia leva à morte do
feto ou do recém-nascido em
100% dos casos.
Situação que foge à literatura
médica é a de Marcela de Jesus
Ferreira, que sobreviveu até
um ano e oito meses. Seu exemplo esteve no centro dos debates, embora não fosse um caso
clássico de anencefalia -não
possuía hemisfério cerebral,
mas tinha tronco encefálico,
que lhe garantia funções vitais.
A representante das Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado, disse que a
mãe da garota teve o direito a
escolher. Não seria justo, segundo ela, retirar o direito de
escolha de 15 mil mulheres que
buscam isso na Justiça.
O professor da Faculdade de
Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Rodolfo Nunes corroborou a tese da
CNBB de que há vida e afirmou
que não existem estudos conclusivos sobre a parte do cérebro que não foi comprometida.
A associação médico-espírita
defendeu a tese de que o feto
anencéfalo tem consciência.
A audiência pública seguirá
por mais dois dias. Amanhã serão ouvidos representantes do
segmento científico e, na semana que vem, a sociedade civil.
Mello disse que o teor da audiência fará parte do relatório
para os ministros.
Questionado sobre o convite
feito a entidades religiosas
diante do fato de o Estado brasileiro ser laico, respondeu: "É
um Estado laico, mas precisamos perceber que vivemos em
sociedade e seus anseios não
podem ser simplesmente colocados em segundo plano. A visão do juiz é global".
Para o advogado da CNTS,
Luís Roberto Barroso, o Estado
não pode interferir na questão.
"Em uma matéria que envolve
desacordo moral razoável e em
que há teses importantes para
os dois lados, o papel do Estado
é assegurar que cada um viva
sua crença, os seus valores."
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