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Aos 11, após 7 "passagens" em DPs, menino vai para abrigo
Garoto furtou carro na última segunda; na quinta, ele já havia feito o mesmo com outro veículo
"Estou torcendo para que ele fique lá bastante tempo", afirma a mãe; decisão que determinou ida a abrigo ocorreu na sexta-feira
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Com roupas de marca e tênis
da Nike, ele andava pelo Jardim
Ubirajara, na zona sul de SP,
com a cabeça erguida "e um jeito de malandro" (diz a mãe) no
falar. "Qual é, tio?", dizia a
quem cruzasse o caminho, na
rua ou nos bailes funk a que ia,
sozinho, "atrás de "minas'". Isso
até anteontem, quando foi para
um abrigo, por decisão judicial,
após ter sido pego dirigindo um
veículo furtado. Foi sua sétima
passagem pela delegacia. Ele
tem 1,40 m de altura e 11 anos.
"Estou torcendo para ele ficar lá bastante tempo", diz a
mãe. É no abrigo que ele deve
fazer 12 anos em 5 de setembro.
"Pra ele é melhor. Aqui, a vida
dele ia acabar sendo curta."
Sua ficha suscita o riso no
80º DP, onde estão seis das sete
ocorrências registradas em menos de um ano -uma por arrombar um comércio, duas por
dirigir sem habilitação, três por
furto de veículos e uma por
atentado ao pudor (tirou a calça
e mostrou os órgãos genitais,
não se sabe para quem).
A última foi segunda: ele foi
pego pela polícia, em alta velocidade, com um Chevette furtado por ele e três colegas (de 14,
15 e 16 anos). Ele, o menor, dirigia -o que já faz desde os oito.
Na quinta, ele já havia sido pego
após furtar um Gol.
Tanto que o Conselho Tutelar de Santo Amaro encaminhou, na sexta, um relatório à
Vara da Infância e Juventude
local (que ganhou um "adendo"
na segunda). O teor é segredo
de Justiça. Mas, no mesmo dia,
a juíza Tatiana Regueira determinou a ida dele para o abrigo.
"Agora, quem sabe, ele melhore", diz a mãe, uma diarista
que tem tido dores de cabeça
constantes, enquanto o pai, um
auxiliar de limpeza desempregado, vomitava no banheiro
-"o problema no estômago só
fez piorar", diz, resignada.
Sentada na mesa da cozinha,
cigarro na mão, ela olha para
duas canecas penduradas na janela. "A do São Paulo é dele. A
do Santos, ele comprou pra
mim", diz, chorando, ao lembrar da rotina de adulto do menino. "Fica tranquila, mãe, eu
vou ali e já volto", dizia, ao beijá-la no rosto e sair para bailes
funk. Só voltava no outro dia.
"Ele não é moleque de brincadeira com criança, gostava é
de conversar com adulto", diz a
mãe -sobre carros e mulheres.
"Não admitia que ninguém
comprasse nada pra ele", afirma ela. Ia sozinho ao shopping
Interlagos comprar com o próprio dinheiro, "que de coisa boa
não era". "O negócio dele era
dinheiro e roupa."
Foi a "influência de pessoas
da escola", pensa a mãe, a culpa
pelos delitos. Com um portão
de ferro e duas grades com cadeados, foi a escola Antenor
Nascentes que ele largou há
três anos, na segunda série, por
desavenças com a professora.
"Ela colocava apelido [nele] de
"zoião'", conta a mãe. "Tem
gente que vê meu filho como
"nossa, que bandido", mas é isso
uma capa. Por trás daquela capa, ele é um ótimo menino."
Menino que agora vive sob
uma medida "protetiva", segundo Thales Oliveira, promotor de Justiça da Vara da Infância e da Juventude da capital
-para quem ninguém pode
obrigá-lo a permanecer no
abrigo. "Em geral, a criança fica
porque acha que está presa."
No caso, Conselho Tutelar,
Vara da Infância, vizinhos e
pais concordam: querem que
ele fique longe do crime. "Espero que ele fique lá até aprender
a ler e escrever. Hoje, ele só escreve o nome", diz a mãe. O nome está escrito com canetinha
no muro da casa pobre de concreto cinza -dizem as crianças
da rua, feito por ele mesmo.
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