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BABEL PAULISTANA
Estado não foi à Justiça para recuperar prédio de R$ 1 milhão nem ofereceu solução habitacional a invasores
Abandonado, posto de saúde vira cortiço
JOÃO CARLOS SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Abandonado pelo governo estadual há dois anos e meio, um posto de saúde de 1.325 m2, que custaria hoje de R$ 1 milhão a R$ 1,2
milhão para ser construído, foi
transformado em uma espécie de
cortiço encravado em um morro
do Jardim Ingá (zona sul de SP).
O prédio foi invadido em 1996,
quatro anos após a obra ter sido
concluída, na gestão Luiz Antonio
Fleury Filho. Pronto para ser
inaugurado, o edifício ficou fechado por quatro anos e nunca foi
usado como unidade de saúde.
O Estado, depois da invasão,
não foi à Justiça para tentar reavê-lo. Na Secretaria de Estado da
Saúde, o processo sobre o posto
foi arquivado em 1999.
Sem a medida para defender o
patrimônio público, o caso pode
ser classificado como omissão e
deverá ser investigado pelo Ministério Público de São Paulo.
Segundo a diretora do Distrito
de Saúde de Campo Limpo, Sandra Maria Sabino Fonseca, se o
posto do Jardim Ingá estivesse
funcionando, aliviaria o atendimento da UBS (Unidade Básica
de Saúde) do Parque Arariba
-há 1,5 km do prédio invadido.
Já municipalizada, a unidade é
responsável pelo atendimento de
60 mil pessoas da região, incluindo o Jardim Ingá. O número de
moradores é três vezes o ideal (20
mil), segundo a prefeitura.
Esquecidos
Com o arquivamento do caso
pelo governo estadual, os invasores passaram a viver como uma
comunidade esquecida.
O IBGE, porém, os encontrou.
Pelos números do Censo de 2000,
havia 146 moradores no posto,
classificado como moradia improvisada, bem mais que as primeiras seis famílias que começaram a invasão.
Em 2001, segundo um cadastramento feito por uma associação
de moradores, havia cerca de cem
famílias (mais de uma por domicílio) vivendo no posto e no terreno em que ele foi construído. Hoje, no total, há 49 domicílios no lugar -38 na área interna do edifício e 11, na externa, segundo contagem feita pela Folha.
Para o Estado dar fim aos 49 domicílios improvisados e ainda recuperar o posto de saúde, bastava
ter destinado menos de 0,14% das
37.028 unidades habitacionais entregues a moradores da capital
entre 1995 e o mês passado.
Em vez disso, deixou as salas do
posto servirem de moradia para
famílias com até 15 pessoas. Elas
dormem sob ligações clandestinas de energia e redes de canos de
água, também irregulares.
Alguns nem sequer têm água
encanada. Precisam armazenar
água em baldes para cozinhar e
tomar banho. Corredores também foram ocupados e agora são
labirintos usados como casas.
Sob uma rampa para deficientes
físicos, usada como banheiro pelas crianças, uma família vive em
um quarto que tem menos de
1,5 m de altura no espaço em que
a cama foi colocada. Quando chove, o lugar inunda com a água que
desce pelas paredes.
Dentro do prédio, a situação
não é melhor. Por conta do telhado danificado, a água chega às casas pela rede elétrica.
A situação em que os moradores vivem assusta até quem está
acostumado com as áreas invadidas, as moradias precárias e as favelas da região. "Se acontecer
uma tragédia aqui, morre todo
mundo", disse o administrador
regional do Campo Limpo, Glauco Aires, após visitar o lugar.
Ele foi ao Jardim Ingá para conhecer o posto, pois, ironicamente, moradores de bairros vizinhos
reivindicam mais uma unidade
de saúde para a região.
Os moradores do prédio, por
sua vez, sonham com ajuda para
fazer melhorias no lugar, pois já
não contam com solução melhor.
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