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GILBERTO DIMENSTEIN
O jeito mais rápido de virar patrão é perder o emprego
E nquanto os políticos e
sindicalistas garantem que
não haverá alteração nos direitos
trabalhistas, patrões e empregados dão as costas para as formalidades legais, desdenham os
debates oficiais e produzem
uma revolução.
Essa revolução chega a tal ponto que estamos nos tornando,
por mais exótico que pareça, um
país de patrões, como se pôde ver
em estatísticas oficiais divulgadas
na semana passada. Anualmente, centenas de milhares de
brasileiros decidem abrir sua
própria empresa.
Falar em centenas de milhares
pode parecer exagero, mas é
exatamente isso -o que reflete
as mudanças profundas e irreversíveis nas regras do mercado
de trabalho.
De acordo com o IBGE, em 2000
havia 5,6 milhões de proprietários
de empresas. No ano seguinte, esse número pulou para 6,14 milhões. Em apenas 12 meses, 461
mil brasileiros, número de pessoas equivalente à lotação de cinco estádios do Maracanã, abriram uma empresa. Mesmo que
sejam patrões de si próprios
(ou, se preferir, empregados de
si mesmos), são tratados legalmente como patrões.
Em essência, há pouca diferença entre a maioria dos novos patrões e os empregados informais
-sem nenhuma proteção, estão
todos buscando garantir um rendimento, mesmo à custa de menos benefícios. Há pelo menos
duas explicações para a explosão
do número de firmas: o empregador e o empregado consideram
conveniente o contrato de
prestação de serviços por aliviar a
carga de impostos e o indivíduo
ficou desocupado e só consegue se
inserir no mercado se abrir mão
da carteira assinada, como
um eterno free-lancer. Esse é, na
visão dos especialistas, o trabalhador do futuro, contratado
provisoriamente.
Para os políticos e sindicalistas, faz todo o sentido dizer que
flexibilizar a legislação precariza
o mercado de trabalho -até porque é verdade. E até porque seu
emprego depende, pelo menos em
parte, desse discurso.
Mas, para quem tem de optar
entre nenhum emprego e um emprego sem nenhum benefício, a
flexibilidade é apenas uma questão de sobrevivência.
Essa opção foi visível -e coloquemos visível nisso- mais uma
vez na semana passada, exposta
no índice de desemprego. Segundo o IBGE, o número de trabalhadores com carteira assinada em
agosto permaneceu estável em relação ao mesmo mês do ano passado. Ou seja, estancou. Já o número dos informais cresceu 7% e
foi o que salvou o desemprego de
uma calamidade ainda maior.
"A flexibilização do trabalho já
está ocorrendo, mas de forma selvagem", analisa o economista José Márcio Camargo.
Temos a seguinte situação
paralisante: prega-se um ideal de
legislação, mas a sociedade
vai para outro caminho -e vai
pior do que se houvesse uma flexibilização negociada.
Os sinais, até agora, indicam
que Lula, que já está brigando
com funcionários públicos por
causa da Previdência, não pretende, pelo menos neste ano, patrocinar mais polêmicas com sua
base de sustentação social. "Não
somos a favor do trabalho escravo", diz o ministro Jaques Wagner, que, numa entrevista neste
ano, ao apenas insinuar mudanças, levou pancadas da CUT e reviu suas reflexões.
Diante das propostas de flexibilização - por exemplo, parcelamento do 13º salário-, sindicalistas, estáveis, estufam o peito e
dizem: "Não podemos criar trabalhadores de segunda classe".
Estão certos. Dessa maneira,
criam-se mesmo os trabalhadores
de segunda classe.
Mas, com ou sem lei, estão surgindo o que o professor José
Pastore, especialista em relações
trabalhistas, chama de os
"desclassificados" -os trabalhadores sem nenhum direito, sem
nenhuma classe.
Além do problema individual,
existe a desproteção coletiva. Esses trabalhadores não têm direitos, mas têm despesas. Se ficam
doentes, acabam no sistema público de saúde. Quando se aposentarem e forem miseráveis, poderão obter uma renda mínima.
No final das contas, é cada vez
menos gente para bancar mais
quem vive na informalidade
ou sonega. Com isso, é mais difícil
ainda reduzir a carga de impostos
para fazer o país crescer -e gerar
mais empregos.
Diante de uma situação inusitada, em que se produzem, em igual
velocidade, patrões e trabalhadores clandestinos, é preciso criar
soluções que quebrem o discurso
fácil dos políticos e sindicalistas e
lançar soluções inovadoras -e,
claro, corajosas.
PS - Como sempre ocorre, os excluídos estão fora desse debate.
Falam apenas os políticos e os representantes dos sindicatos patronais e de empregados. O sujeito obrigado a aceitar qualquer
trabalho precário simplesmente
não é ouvido. Manda o bom senso
que se criem alternativas para os
pequenos e microempresários,
que não conseguem bancar o custo da folha, mas não querem viver
na marginalidade.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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