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EDUCAÇÃO INFANTIL
Repasse de verba para mulheres cuidarem de seus filhos fora de creches é vista como um retrocesso
Especialistas criticam "bolsas para mães"
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A proposta do ministro Cristovam Buarque (Educação) de criar
um programa de bolsas para
mães cuidarem de seus filhos de
até três anos de idade fora de creches está sendo criticada por especialistas em educação infantil.
A Bolsa Primeira Infância, que
está prevista para ser implementada em 2004, deve repassar R$ 50
para que as mães de baixa renda
cuidem de suas crianças ou contratem alguém para isso. Em contrapartida, a mãe terá de participar de cursos de alfabetização ou
sobre como cuidar das crianças.
A principal crítica é que a proposta, de menor custo para o poder público, poderia inibir a expansão das vagas em creches e
ofereceria às crianças pobres de
zero a três anos uma educação de
pior qualidade. Hoje, segundo o
Censo 2000 do IBGE, apenas
10,6% das crianças de zero a três
anos estão na escola.
"O MEC quer adotar a menina
dos olhos do Banco Mundial para
a educação infantil dos pobres
nos países pobres: educar as mães
em vez de ampliar vagas em creches. Tal proposta visa reduzir
ainda mais o custo por criança na
educação infantil, nível educacional que recebe o menor investimento público", afirma a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas Fúlvia Rosemberg.
Assistência
Para Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação (que envolve
mais de cem entidades educacionais do terceiro setor), a proposta,
"da forma como foi apresentada,
confunde a lógica da assistência
social com a lógica educacional".
A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, aprovada em 1996,
afirma que o atendimento em creche deve ter caráter educacional, e
não de assistência social.
"Todo nosso esforço é para que
se pense a educação infantil como
política educacional. Além disso,
a proposta foi também apresentada como se fosse o programa de
educação infantil do MEC no Plano Plurianual. Isso seria um retrocesso em relação à busca da universalização da educação infantil", diz Carreira.
Rosemberg e Carreira atentam
para outro risco: reforçar as desigualdades de gênero. "A proposta
reafirma que é papel só das mães
cuidar dos filhos", diz Carreira.
Para Vital Didonet, consultor
em educação infantil e ex-presidente da Omep (Organização
Mundial para a Educação Pré-Escolar), o MEC acerta ao chamar a
atenção para a importância da família na educação. Ele teme, porém, que essa valorização do papel da família acabe substituindo
o direito da criança de receber um
atendimento educacional adequado em creches e pré-escolas.
"Não me oponho a uma ação de
apoio à família, mas o MEC não
pode fazer disso um álibi para a
sua responsabilidade de ajudar os
municípios a promover uma educação infantil de qualidade, com
profissionais da educação que trabalhem com base em uma proposta pedagógica. Há o risco de
passarmos a impressão de que estaríamos resolvendo o problema
do acesso à creche", diz Didonet.
A porcentagem de crianças
atendidas em creches que não estão vinculadas ao sistema de ensino já é grande hoje. O Censo 2000
do IBGE, que pesquisa as famílias,
indica que havia 1,5 milhão de
crianças de zero a três anos estudando em 2000.
No entanto, para o Censo Escolar do MEC, que faz a pesquisa
com as escolas e governos, havia
apenas 738 mil crianças nessa faixa de idade matriculadas no mesmo ano. A diferença, de 789 mil
crianças (ou 52% do total), está
sendo atendida em creches clandestinas ou por mães crecheiras,
sem controle do poder público.
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