|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
A simplicidade da vida
Apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo, que a vida é simples
|
GOSTO MUITO de ir a restaurantes sozinha, sobretudo
quando estou fora do Brasil, e
ficar olhando as pessoas. Há uns
tempos fui a um, e numa mesa perto
da minha dois casais almoçavam.
Um era jovem, o outro bem mais
velho. Comeram bastante, com prazer, falaram bastante sobre a comida
e o vinho, e quando o almoço terminou, a mais velha botou o cotovelo
na mesa, e apoiou a cabeça na mão,
perfeitamente à vontade.
Via-se que ela devia ter sido bonita, mas não muito; ele era daqueles
homens que não ficaram feios:
nasceram feios. Meio gordo, nariz
enorme, careca, de óculos, até a mãe
deve ter levado um susto quando ele
nasceu.
Não paravam de conversar, e uma
hora ela encostou a cabeça no peito
dele, e fechou os olhos; ele passou o
braço em volta do ombro dela e continuou conversando com o casal.
Foram gestos naturais, que provavelmente aconteciam com freqüência, e dava para ver como eles se sentia confortáveis, juntos. O almoço
acabou, pediram a conta e saíram
naturalmente, sem mãos dadas, sem
abraços, nada. Tudo normal. E fiquei pensando em como devia ser
bom aquele casamento.
Não é qualquer mulher que tem a
naturalidade de encostar a cabeça
no peito do marido, e também não é
qualquer homem que responde ao
gesto passando automaticamente o
braço em volta do ombro da mulher,
sabendo que é isso que ela está querendo. Era uma intimidade -via-se- que vinha de anos, uma intimidade dos corpos, e duvido que algum
dia eles, que pareciam pessoas simples, tivessem discutido a relação. A
vida deles devia ser boa, sem complicações, sem ciúmes, e viajei, pensando em como seria.
Eles deviam morar nos arredores
de Paris, numa casa pequena, com
um pequeno quintal, onde talvez
houvesse algumas galinhas. Não
liam jornal e depois do jantar -ela
devia ser uma ótima cozinheira-
viam um pouco de televisão, só um
pouco, pois dormiam cedo. Ela subia
primeiro -a casa, pequena, era de
dois andares-, e quando ele chegasse ela já estaria debaixo do edredon,
talvez já dormindo. Mas mesmo assim, a memória do seu corpo fazia
com que ela se aconchegasse a ele, e
assim dormiriam, sem preocupações, sabendo que o dia seguinte seria igual ao da véspera, e que em alguns domingos fariam alguma coisa
de mais extraordinária, tipo ir almoçar fora com um casal amigo. E por
falar em amigo, via-se que eles eram
amigos; que podiam contar com o
outro em qualquer circunstância, e
essa é a melhor certeza do mundo.
Ter um companheiro que é também
amigo.
Fiquei pensando: será que eles sabiam o quanto eram felizes? Penso
que não. Quem é feliz não pensa nessas coisas de felicidade; apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo,
que a vida é simples, e que quem sabe disso não precisa de nada além do
que tem, e ficariam muito espantados se soubessem como é a vida de
tanta gente, querendo coisas, desejando sempre mais, no fundo por
não terem o essencial.
Como a vida pode ser simples; como a vida pode ser complicada.
E tive a impressão de que eles
eram felizes porque nunca pararam
para pensar nisso.
danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Rigidez no combate ao álcool cresce no mundo Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|