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DANUZA LEÃO
Famílias antigas
E m toda família que se preza
existe um louco. Por louco leia-se aquele (ou aquela) que pensa
por si mesmo, diz o que lhe dá na
telha -geralmente verdades- e
conta as histórias escabrosas que
existem em todas as famílias que
se prezam; aquelas que os que seguem as regras estabelecidas levam para o túmulo. Uma pena,
aliás, pois elas costumam ser ótimas.
Quem não teve uma tia-avó ou
bisavó que largou marido e filhos
para fugir com um soldado? Ou
um primo longínquo que deu um
desfalque e sumiu levando o dinheiro que era da família e nunca
mais foram vistos, nem ele nem o
dinheiro? Até mesmo os mais prejudicados ficaram (e morreram)
calados, para preservar a família
do escândalo. Ah, o escândalo;
ah, que tempos esses, em que uma
moça solteira que não fosse mais
virgem era apontada na rua como a vergonha da família.
Os loucos falavam tudo, mas só
para os que queriam ouvir, que
aliás eram poucos. Eles eram os
únicos que aceitavam tudo como
normal e diziam, com todas as letras, que a prima querida, que
não saía da igreja, estava torcendo para que a mãe -rica- morresse logo para poder sair como
uma desvairada pelo mundo; eles
também sabiam quem traía a
mulher, quem bebia, e olhavam
-com um sorriso desafiador-
quando aquele tio velho botava a
sobrinha de nove anos no colo e
passava carinhosamente a mão
na sua coxa. "Como ele é carinhoso", diziam. Como ele é tarado,
pensava o louco.
Como eram loucos, não tinham
ambição nem apego às coisas materiais, e consequentemente nunca davam pra nada: não conseguiam estudar nem arranjar emprego, os anos se passavam e eles
continuavam morando na casa
da mãe, tirando dela o dinheirinho para uma cerveja com os
amigos.
Naquele tempo mulher tinha
que casar, e quando a sobrinha
mais querida arranjou um pretendente rico a família ficou em
êxtase; menos ele, que era o único
que sabia que ela gostava de outro, um outro que não ia dar para
nada na vida a não ser para fazê-la feliz (pelo menos por uns tempos).
O rico não tinha nenhuma graça, mas sua torcida era de fé; apesar do namoro estar ainda na fase
preliminar, na casa só se falava
da festa de noivado, do vestido de
casamento, das damas de honra,
da decoração da igreja, do tipo de
convites, essas coisas que fazem as
mães perderem a cabeça.
A mais interessada se torturava; afinal, se os pais, que ela respeitava tanto, achavam que ele
era um bom rapaz, nem lhe ocorria pensar no que a esperava: deitar com ele todas as noites na
mesma cama e passar com ele o
resto da vida -sim, porque naquele tempo os casais não costumavam se separar. O tio louco era
o único que percebia tudo, e uma
tarde se sentou perto dela puxando conversa; papo vai, papo vem,
ela conseguiu raciocinar.
Descobriu que preferia morrer a
se casar com aquele homem e o
tio deu a maior força; só ele.
Foi uma grande confusão: ela
teve coragem para romper com o
rico mas não ficou com o outro.
Nunca se casou, e virou a louca
da geração seguinte.
O tempo passou, ela viu os sobrinhos e as sobrinhas crescerem,
as famílias continuarem empolgadas com as cerimônias dos casamentos, mas uma coisa nunca
conseguiu entender: por que as
mães, que desejam mais que tudo
no mundo a felicidade de suas filhas, são sempre a favor de um casamento com um homem rico
-mesmo que ele seja bobo, feio,
sem graça, sem nada.
É bem verdade que existem algumas, raras, que são a favor do
amor.
Mas essas são consideradas loucas.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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