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AMBIENTE
Metal é uma ameaça à fauna e, indiretamente, à população da região, que se alimenta dos animais e os comercializa
Mercúrio contamina mangue de Cubatão
MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL
O já comprovadamente degradado mangue da região do estuário da Baixada Santista, que engloba os municípios de Santos,
São Vicente e Cubatão, no litoral
paulista, tem um "novo" e extremamente perigoso poluente: o
mercúrio (Hg), cuja forma metálica foi encontrada em concentrações acima do limite estabelecido
pela Cetesb (agência ambiental
estadual), em pontos do sedimento dos rios Cubatão e Mogi.
A contaminação é uma ameaça
à fauna da região (peixes, caranguejos, siris etc.) e, indiretamente,
à população local, que se alimenta
desses animais e frequentemente
os comercializa nas estradas que
dão acesso ao litoral. Muito próximo aos locais onde foram registradas as altas concentrações de
mercúrio, na cidade de Cubatão,
moram cerca de 20 famílias, muitas das quais também cultivam legumes para consumo próprio.
Essas pessoas estão sendo relocadas pela prefeitura, não em razão da contaminação, mas pelo
fato de ocuparem indevidamente
uma área de proteção ambiental.
A ingestão de animais ou vegetais contaminados por mercúrio é
uma das mais graves formas de
intoxicação pela substância, que
pode se dar também pelo contato
direto com o metal (líquido) ou
aspiração de ar por ele poluído.
Em casos extremos, o mercúrio
acumulado no organismo pode
causar danos permanentes no sistema nervoso (irritabilidade, tremores, alterações de visão e audição e perdas de memória), nos
rins e afetar o desenvolvimento de
fetos, segundo a ATSDR (sigla em
inglês para a Agência de Registro
de Doenças Causadas por Substâncias Tóxicas, dos EUA).
A maneira mais comum de o
mercúrio entrar na cadeia alimentar é por meio da sua "organificação". O metal, geralmente
lançado no ambiente pela atividade industrial, pode reagir com o
carbono -por ação de bactérias
presentes no solo e na água-, e
formar o mercúrio orgânico, cuja
forma mais conhecida é o metilmercúrio. Os animais são contaminados ao ingerir os sedimentos
onde a substância se acumula.
É essa a maior preocupação da
geóloga Luciana Ferrer, do Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo). Foram as
pesquisas realizadas por ela para
sua dissertação de mestrado, sob
orientação do professor Raphael
Hypolito, que resultaram na identificação do mercúrio em excesso.
"Apesar de ter encontrado o
mercúrio na forma de metal, o
mangue é um ambiente que tem
grande quantidade de matéria orgânica, o que facilita a formação
do metilmercúrio. Por isso as pessoas que vivem lá correm um duplo risco: o do contato com o metal puro e o de ingerir alimentos
contaminados", afirma.
Partes por milhão
Entre 1998 e 2000, a pesquisadora coletou amostras de água (11
pontos) e solo (12 pontos) do
mangue na área de Cubatão.
Em dois pontos de terra inundável -um dos quais bem próximo à ocupação humana-, foram
registradas concentrações de 0,06
ppm (partes por milhão) de mercúrio, enquanto o limite de referência -acima do qual o solo já
não é mais considerado limpo e
não pode ser usado para qualquer
fim- estabelecido pela Cetesb é
de 0,05 ppm (ver quadro abaixo).
Nas águas do rio Cubatão, o metal não foi encontrado acima do
padrão permitido, o que, na avaliação de Luciana, só reforça a hipótese de que a substância já tenha reagido com o carbono, formado metilmercúrio e sido ingerida pelos animais do mangue.
A pesquisa "Sistema Estuarino
de Santos e São Vicente", realizada pela Cetesb no mesmo período
que o estudo de Luciana, mas não
na mesma área, avaliou a fauna
do estuário da baixada por amostragem e não registrou nenhum
animal com concentração de
mercúrio acima do permitido pela legislação brasileira (0,5 micrograma por grama de massa).
Na opinião de Marta Lamparelli, gerente da Divisão de Análises
Hidrobiológicas da agência, que
elaborou o estudo, o mercúrio
metálico encontrado por Luciana
no sedimento deve ter se acumulado de forma pontual, mas não
entrou na cadeia alimentar. A
pesquisa da Cetesb só investigou a
presença de contaminantes na
água, e, assim como a da geóloga
da USP, não encontrou mercúrio
em altas concentrações no meio.
"Na nossa avaliação, não há nenhum problema no consumo de
peixes ou caranguejos do estuário", afirma Marta. Ela diz, porém, que a Cetesb já começou a se
reunir com os centros de vigilância Sanitária e Epidemiológica do
Estado, a fim de realizar uma análise mais aprofundada das substâncias químicas às quais a fauna
do mangue está exposta e quanto
dela a população consome.
Níveis de exposição
Embora a Organização Mundial
da Saúde estabeleça uma concentração limite no organismo humano de 50 ppm de mercúrio -a
partir da qual os primeiros sintomas físicos de intoxicação começam a aparecer-, pesquisadores
brasileiros e canadenses que estudam populações contaminadas
na região do rio Tapajós identificaram sinais de problemas de
saúde similares aos causados pelo
metal em pessoas que só tinham
15,9 ppm de mercúrio no cabelo.
Eles relatam ter aplicado testes
simples de coordenação e visão
em moradores da vila Brasília Legal (PA), cujos resultados mostraram um declínio na coordenação
motora, na destreza manual e em
algumas funções visuais.
A conclusão a que os pesquisadores chegaram é que não é necessário haver um incidente nas
dimensões do despejo de mercúrio ocorrido em meados dos anos
50 na baía de Minamata, no Japão
-que matou pelo menos cerca de
1.400 pessoas-, para que a substância cause males à saúde.
É mais ou menos a mesma opinião do Conselho Nacional de
Pesquisas das Academias Nacionais dos EUA (conselheiras do
governo para questões científicas
e técnicas), que recomendou, em
2000, mais investigações sobre os
efeitos da exposição duradoura a
baixos níveis de mercúrio.
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