|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MASSACRE DO CARANDIRU
63 famílias entraram na Justiça; casal receberá mil salários mínimos devido à morte do filho
Parentes de mortos aguardam indenização
DA REPORTAGEM LOCAL
Jéssica de Souza Almeida, 9,
cresceu acreditando que o pai, vigia de uma empresa, tinha morrido com um tiro de um assaltante.
Só descobriu que ele era um dos
111 presos mortos na Casa de Detenção, no complexo do Carandiru (zona norte de SP), às vésperas
do julgamento do coronel Ubiratan Guimarães, em junho do ano
passado, único condenado pelo
massacre de 1992, mas que recorre da decisão em liberdade.
A mãe, Maria do Socorro Almeida, 35, desempregada, resolveu revelar a verdade -usada para poupar as três filhas de uma
"história bárbara", segundo ela-
para levar a família em um ato pela condenação do coronel.
Jéssica nasceu 30 dias depois da
morte do pai. Lucas de Almeida,
26, preso por roubo, seria solto
um dia após o massacre. Prestes a
completar dez anos, assim como
o episódio mais sangrento da história do sistema penitenciário
brasileiro, a garota agora acompanha o caso com a mesma desconfiança das outras famílias de presos em relação à demora do julgamento dos outros PMs e ao pagamento das indenizações judiciais.
O cumprimento rápido dessas
exigências, além da desativação
do complexo Carandiru -não só
a Casa de Detenção- fazia parte
de uma série de promessas que
uma missão brasileira levou à
OEA (Organização dos Estados
Americanos), em 1996, e que não
foram cumpridas. Quatro anos
mais tarde, diante dos atrasos do
governo brasileiro, o caso foi considerado ""massacre" em relatório
da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA.
Indenizações
Alheia à discussão internacional, a família de Jéssica procurou
a Justiça e ganhou uma ação no
valor de cem salários mínimos
(R$ 20 mil) por danos morais,
mais uma pensão mensal de um
salário. Só que, segundo Maria do
Socorro, o dinheiro não chegou.
Das famílias que buscaram a
Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo,
duas tiveram as ações propostas
extintas por causa da morte dos
beneficiados, 25 estão em andamento e 33 já foram julgadas, em
última instância, favoráveis aos
familiares dos presos mortos.
Os valores das indenizações variaram segundo a interpretação
de cada juiz. A menor é de um salário mínimo para dividir entre os
pais de um preso. A maior, de 500
salários mínimos (R$ 100 mil), é
destinada para cada um dos pais
de outro preso.
Só as indenizações por danos
morais -sem contar pensões-
somam, no mínimo, cerca de R$ 1
milhão. A quantia será bem maior
porque, em alguns casos, o juiz
destinou o mesmo valor para vários membros da família.
Só que o dinheiro deve demorar
para chegar às famílias. Os valores
viraram precatórios (dívidas judiciais) do Estado e entraram em
uma fila de pagamento. As decisões favoráveis começaram em
1999, mas o Estado ainda tem precatórios atrasados de 1997.
"Pedimos 500 salários mínimos
para todas as famílias que nos
procuraram. A maioria conseguiu 100, o que é uma grande conquista. O precatório faz parte das
regras do Estado", disse a procuradora Maria Helena Braceiro
Daneluzzi, da Procuradoria de
Assistência Judiciária.
Maria do Socorro desconfia da
possibilidade de realmente receber o dinheiro. "Acho que isso
não vai dar em nada. Você acha
que o governo vai pagar?" Ela
também não entende as complicações do julgamento dos outros
PMs. "Foram tantos [policiais",
ninguém sabe quem atirou."
O julgamento do mandante antes dos supostos executores é algo
incomum, mas não compromete
o julgamento dos PMs, segundo o
promotor de Justiça Norberto
Joia, que atuou na acusação do
coronel e responde pelo processo
contra os seus ex-subordinados.
Segundo Joia, 84 PMs serão julgados por homicídio qualificado
de 102 presos -nove mortos com
facas foram retirados do caso- e
20 por lesões corporais graves. As
lesões leves prescreveram em
1996. Quatro acusados de homicídio morreram.
Esse julgamento deve demorar
pelo menos mais um ano, diz Joia.
A defesa recorreu da sentença de
pronúncia, que estabelece o julgamento. "Eles estavam lá cumprindo ordens e agiram em legítima
defesa", diz Antonio Cândido Dinamarco, que defende 46 PMs.
OEA
Para o ex-secretário da Administração Penitenciária, João Benedicto de Azevedo Marques, que
em 1996 defendeu o Brasil na
OEA, não houve quebra de promessa. ""Na minha visão, o acordo
foi cumprido em grande parte. A
exigência maior era a desativação
da Detenção", afirmou.
A Casa de Detenção está vazia
desde o último dia 15. ""Implodiu
a Detenção, mas a situação é tão
caótica ou mais do que era em 92.
Eles só mudaram o endereço do
caos", diz o advogado norte-americano James Louis Cavallaro, diretor-executivo do Centro de Justiça Global, que em 92 cuidou da
acusação contra o Brasil na OEA.
Divergências à parte sobre o
acordo, ambos concordam que a
demora da Justiça em julgar os
envolvidos é absurda.
""O que é mais deplorável, depois de dez anos, é a impunidade", disse o vice-prefeito de São
Paulo, Hélio Bicudo, ex-integrante da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da OEA.
(ALESSANDRO SILVA, DAGUITO RODRIGUES E GILMAR PENTEADO)
Texto Anterior: Entrevista: Obesidade é causa de cirrose hepática Próximo Texto: Avó criou neta órfã fazendo bicos Índice
|