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Avó criou neta órfã fazendo bicos
DA REPORTAGEM LOCAL
Dez anos após o massacre do
Carandiru, familiares de presos
mortos por policiais militares dizem ainda sofrer as consequências da tragédia. Pais, viúvas e filhos tentam reestruturar suas vidas e pedem que os culpados pela
morte dos 111 sejam punidos.
Celina Aparecida dos Santos,
59, criou sozinha a neta Lineide
Batista da Silva, hoje com 18 anos.
A jovem ficou órfã de pai quando
Mauro Batista da Silva, então com
27 anos, foi morto durante a invasão da Casa de Detenção. "Lineide
é filha de pai solteiro, eu nunca
conheci ou soube quem era a
mãe", conta a avó.
Cerca de dois meses após o massacre, Celina foi demitida. Desempregada e sem parentes na cidade, chegou a morar em uma residência invadida e também numa favela até conseguir uma casa
em Guarulhos com dinheiro que
recebeu de parentes do interior.
Celina trabalhou como doméstica, mas quase todos os dias pegava carona em caminhões até o
lixão de Guarulhos, onde recolhia
latas e garrafas para vender nos finais de semana, além de procurar
comida. De vez em quando, diz
Celina, ela conseguia roupas usadas para vender.
Hoje, ela continua a recolher
garrafas e latas pelas ruas. "Também pego comida nos lixos de padarias e supermercados."
Celina diz ter insistido para que
Lineide estudasse, mas a garota
nunca conseguiu aprender a ler e
a escrever. "Se ela tivesse o pai, as
coisas seriam diferentes."
Josefa Maria Monteiro, 57,
mantém até hoje na parede ao pé
da cama um quadro de seu filho
José Marcolino Monteiro, 25,
morto com um tiro.
Segundo ela, o filho andava com
assaltantes e teria sido pressionado pelos amigos a matar o ex-chefe, crime pelo qual foi preso. "Mas
ele era um bom menino, sempre
que ganhava dinheiro dava metade para mim."
Corpos trocados
A vendedora Maria Salete Cassilha de Carvalho, 50, teve seu filho
Cláudio José de Carvalho, 20,
morto com dois tiros na cabeça.
De acordo com ela, o corpo
apresentado pelo IML não era de
Cláudio José. A impressão digital
apontava que se tratava de Cláudio, mas Maria Salete negava.
"Ele estava preso fazia dois anos
e, como era muito jovem, havia
mudado muito". Segundo Maria
Salete, ela era a única pessoa da família que sabia como ele estava,
pois fazia visitas aos finais de semana. "O queixo e a boca eram
bem parecidos, mas o resto e o cabelo eram diferentes."
Mesmo contrariada, Maria Salete realizou o enterro na terça-feira, 6 de outubro de 1992. No dia
seguinte, funcionários do IML ligaram avisando que ela estava
certa: um outro corpo fora enterrado no lugar de seu filho. "Eu
não tinha dinheiro para fazer outro enterro, então eles mesmos fizeram a troca dos corpos."
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