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GILBERTO DIMENSTEIN
Ninguém vai poder reclamar de que não sabia
Não há notícia de uma disputa
eleitoral em que os meios de
comunicação tenham sabatinado
com tamanha profundidade os
candidatos a governador e, especialmente, a presidente. Todos
eles foram obrigados a explicar,
como nunca se viu, a viabilidade
de seus projetos, as contradições
de suas alianças e as passagens
nebulosas de suas biografias.
Quase todos os grandes jornais
escalaram alguns de seus mais experientes profissionais e colocaram-nos num palco com os candidatos. Exigiram-se detalhes sobre
o modo como imaginam melhorar a vida dos brasileiros; as sabatinas eram acompanhadas pelos
leitores e, no dia seguinte, as respostas eram comentadas por especialistas.
Além dos avanços da imprensa
escrita, a cobertura do rádio e da
televisão atingiu proporções desconhecidas: os candidatos foram
submetidos, em horário nobre, a
baterias de perguntas incômodas.
Agregou-se ainda o jornalismo de
internet, acompanhando tudo em
tempo real -um jornalismo que,
na eleição passada, ainda
engatinhava.
Não houve um só assunto que
deixasse de ser debatido e veiculado em ampla escala, atingindo
dos mais ricos aos mais pobres. Se
os mais pobres não entenderam o
que viram, leram ou ouviram,
não foi por falta de informação,
mas devido ao analfabetismo
funcional.
A uma semana das eleições,
ainda não sabemos se vai haver
segundo turno na disputa presidencial, como indica a pesquisa
Datafolha publicada hoje e, se
houver, quem disputará
com Lula.
É possível dizer, porém, que
ninguém deixou de ser avisado
das fragilidades dos candidatos e
da inconsistência de algumas das
suas propostas. O que a imprensa
sabia foi veiculado.
A principal promessa desta eleição presidencial -o crescimento
econômico combinado com a
criação de milhões de empregos- anima o horário eleitoral
gratuito, produzido pelos marqueteiros. Fala-se em mais gastos
em educação, saúde, segurança.
Todos os candidatos foram, porém, chamados a explicitar a maneira como conseguiriam gerar
tantos empregos e gastar tanto dinheiro na área social, considerando os limites do Orçamento, os
acordos com o FMI e a instabilidade internacional. Em todas as
entrevistas, perguntava-se invariavelmente: "Mas de onde vai
sair o dinheiro?".
Hábeis nas palavras, os candidatos acenam com números e
mais números, lançam hipóteses.
Tudo filtrado, chega ao consumidor da notícia a seguinte mensagem: não há recursos suficientes
para eles fazerem o que prometem. Alguns, levemente constrangidos, refazem suas propostas, flagrados na inconsistência.
O PT já admite que 10 milhões
de empregos formais, de carteira
assinada, a serem efetivados em
quatro anos, podem cair bem no
papel, mas não vão além disso
-é a mesma inviabilidade da
proposta dos 8 milhões de postos
de trabalho, também formais,
prometidos por José Serra. O salário mínimo com que acena Garotinho é perfeitamente viável desde que ele quebre de vez a Previdência; as bravatas de Ciro Gomes contra o sistema financeiro
não resistem ao dia da posse.
O problema é que os eleitores se
movem mais pelo coração do que
pela mente. A utopia, afinal, é o
grande motor da história. Políticos elegem-se graças não às análises de viabilidade de suas intenções, mas à administração da esperança e dos sonhos das pessoas.
Administrar a transformação
da esperança em frustração é a
principal tarefa dos presidenciáveis. Todos, sem exceção, asseguram ter fórmulas para extirpar a
insegurança decorrente do desemprego -e todos, sem exceção,
sabem que, além da conjuntura
econômica, a tecnologia reduz a
necessidade de mão-de-obra. Há
até quem diga que, no futuro, não
haverá mais empregos, apenas tarefas executadas por trabalhadores com vínculos provisórios.
A explosão do dólar, na semana
passada, em meio à volta da histeria do sistema financeiro, as incertezas da economia mundial, as
crises das Bolsas e a perspectiva
de uma guerra contra o Iraque
são, entre tantos, alguns dos fatores que colocam em dúvida as
possibilidades de crescimento
do país.
A mudança com estabilidade é
neste momento o sonho dos eleitores, até agora captado melhor
por Lula, como mostram as pesquisas. A grande ilusão dos brasileiros é esta: mudar rapidamente
sem turbulências.
O risco-Brasil, seja qual for o
eleito, é, pelo menos no próximo
ano, pouca mudança e muita instabilidade. Não há, por isso, alternativa para o novo presidente fora de um amplo acordo de união
nacional.
Não vai aqui nenhum corporativismo, mas, quando a realidade
chegar e houver desilusão, pelo
menos não se poderá dizer que
faltou informação.
PS - Isso tudo não significa que
caminhamos para uma catástrofe. Significa apenas o óbvio: o
Brasil não vai parar de melhorar
socialmente. Não somos nem o
país da baboseira do marketing
político nem o país da histeria financeira do mercado.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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