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DANUZA LEÃO
Raiva de guerra
As pessoas raciocinaram
com bom senso, à luz da razão, e isso foi o suficiente para
gente no mundo inteiro ir para a
rua protestar contra a invasão do
Iraque. E continuam.
Não se trata de torcer para um
lado ou para o outro: as vidas dos
soldados são preciosas, tanto as
dos americanos quanto as dos
iraquianos. Mas o desprezo com
que foi e continua sendo tratada
a ONU, o cinismo das autoridades americanas quando fazem
suas declarações ao mundo e o
comportamento da imprensa
americana mentindo deslavadamente sobre o resultado dos ataques e o número de mortos e feridos estão ficando, a cada dia,
mais insuportáveis.
E agora tem mais: a vergonhosa
disputa entre Bush e Blair pelos
bilhões de dólares. Depois de terem passado por cima do Conselho de Segurança da ONU, os
americanos ainda querem tirar
das mãos das Nações Unidas
-cuja função é essa também- a
reconstrução do Iraque. Trocando em miúdos: o manuseio do dinheiro.
Fico pensando: será que o mundo já foi melhor? Hitler, sabe-se,
era um caso de loucura grave;
mas de lá para cá a falta de vergonha na cara não estará piorando?
Neste exato momento Bush e
Blair falam na televisão: sérios,
apresentam suas condolências às
famílias dos mortos e falam em
justiça. Será que eles acreditam
mesmo no que estão falando?
Será?
Enquanto isso os americanos,
jovens e louros, enfrentam a tempestade de areia no deserto e são
de cortar o coração. Por outro lado, os pobres iraquianos, levantando e sacudindo os braços em
sinal de apoio a Saddam, são de
chorar de pena. Está tudo muito
difícil, mas alguma coisa está mudando.
Além da pena dos soldados
-todos- e da solidariedade -a
eles todos-, um outro sentimento começa a aparecer: a raiva.
Se nos primeiros dias acompanhamos pela televisão e pelos jornais com o maior interesse todos
os acontecimentos, agora, quando se vê qualquer pessoa da administração Bush falando sobre a
guerra, se pensa, sem nenhum
respeito: é muita cara-de-pau. Será que alguém acredita mesmo
que Bush está preocupado com a
democracia no Iraque? Não, não
é possível. Existe diferença entre
pessoas que se acham no direito
de matar por dinheiro e poder?
Claro que não. Fernandinho Beira-Mar manda matar diretamente de Bangu, e Bush, da Casa
Branca; qual a diferença?
Ninguém sabe o que vai acontecer, qual será o futuro do mundo.
Mas não é possível que Deus - já
que todo mundo fala dele eu também posso falar- permita que os
Estados Unidos tenham uma vitória bacana, o país fique ainda
mais rico e arrogante e que Bush
ainda seja reeleito no próximo
ano como o herói dos tempos.
Se isso acontecer, vamos nos
sentir ainda mais frágeis e desprotegidos, com a sensação de que
não existe justiça no mundo; e se
eles resolverem invadir a Amazônia, a quem vamos nos queixar?
A que ONU? E o que aprendemos
desde crianças, que o crime não
compensa, que o bem pode demorar mas acaba vencendo, que
Deus castiga e que a esperança é a
última que morre? A minha já está nas últimas.
É ruim sentir raiva; eu cada dia
sinto mais, e tanta, mas tanta,
que já estou com raiva de quem
não está com raiva da guerra.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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