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CRIME ORGANIZADO
Para o superintendente da PF no Rio, Marcelo Itagiba, produtores escalam "representantes comerciais" no Brasil
Facção criminosa age como cooperativa
DA SUCURSAL DO RIO
Inexiste um cartel no negócio
das drogas ilícitas no país. As facções criminosas do Rio agem como cooperativas. Os produtores
colombianos, peruanos e bolivianos escalam ""representantes comerciais" no Brasil.
As opiniões são do superintendente da Polícia Federal no Rio de
Janeiro, Marcelo Itagiba, 47. Antes, Itagiba chefiou na PF o combate ao narcotráfico em São Paulo
e coordenou o setor de inteligência da organização.
(MÁRIO MAGALHÃES)
Folha - Existe uma holding do
narcotráfico no Brasil?
Marcelo Itagiba - Na Colômbia
havia os chamados cartéis, de Cali
e Medellín. O nome indicava: havia uma cartelização da comercialização da cocaína. Eram os grandes atacadistas de cocaína.
Esse conceito não existe mais.
Hoje na Colômbia há os chamados cartelitos -uma rapaziada
mais jovem, mais envolvida com
as questões de informática, sistemas bancários internacionais.
Folha - E no Brasil?
Itagiba - A droga é uma commodity. Existem vários especuladores dessa commodity, que são os
cartelitos. Eles precisam comercializar o produto. Vão elegendo
representantes comerciais em determinadas áreas. Se há concentração da representação comercial do produto numa região, fica
mais fácil estabelecer uma relação
de confiança de venda e pagamento. Tem de quem cobrar, objetivamente, em vez de pulverizar
em diversos pontos. Há pessoas
que são, digamos, representantes
comerciais no Brasil dos produtos
que vêm de fora.
Folha - Portanto não haveria cartel, uma empresa-mãe.
Itagiba - No Brasil não existe um
cartel de distribuição de drogas. O
que há são vários representantes
comerciais, pessoas que se utilizam das rotas e meios de transporte do antigo contrabando.
Nos países produtores existem
os produtores, os que comercializam, os transportadores. Depois
[da época" dos cartéis, há especialização por área. Os distribuidores
no Brasil se unem na compra da
mercadoria, o que não quer dizer
que tenham estrutura formal e
hierarquizada.
Folha - E as organizações criminosas que controlam o tráfico nas favelas do Rio?
Itagiba - No Rio, as facções criminosas são, vamos dizer assim,
cooperativas. São grupos que
cooperam na mesma atividade,
embora não necessariamente
exista uma chefia formal dessa estrutura. Os que trazem a cocaína
são os chamados matutos. Há
uma série de matutos, de transportadores do produto para pessoas no Rio que representam os
interesses comerciais desses cartelitos estrangeiros. São pessoas
que estabeleceram uma relação
comercial de confiança de pagamento com essas estruturas formais lá de fora.
Folha - O que está mudando no
mercado de drogas ilícitas?
Itagiba - Daqui a uns 15 anos as
drogas provenientes da natureza
[como a cocaína" vão se tornar
cult. Porque ainda são provenientes da natureza, embora manipuladas pelo homem de forma indevida. Em vez de nós termos a droga que vai do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo, nós vamos
ter um boom de drogas sintéticas.
A direção será invertida. Principalmente na classe média e alta,
será a droga que estará presente.
Folha - Há várias interpretações
sobre o caos promovido por traficantes no Rio antes do Carnaval. O
senhor acha que foi uma demonstração de força ou de fraqueza?
Itagiba - Houve dois momentos
[de pânico na cidade provocado
por traficantes": antes das eleições
e agora. São testes [feitos pelos
traficantes" da sua capacidade de
aglutinação, movimentação e arregimentação, a fim de provocar
nas autoridades públicas receio e
buscar negociação. Querem criar
um clima de comoção na busca de
um canal de negociação.
Folha - Mesmo uma facção criminosa, como o Comando Vermelho,
que tem entre os líderes Fernandinho Beira-Mar, tem mais de um fornecedor?
Itagiba - Acredito que exista
mais de um sujeito com esse papel. Há matutos que fazem a distribuição. O que talvez Fernandinho seja é uma espécie de garantidor da transação.
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