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CRIME ORGANIZADO
Justiça recorre ao Código Penal, de 1940, e à Lei de Entorpecentes para condenar membros de associações criminosas
Legislação brasileira não define o delito
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
À falta de uma definição do que
é crime organizado nas legislações penal e processual do país,
para condenar membros de associações criminosas como as lideradas pelos traficantes Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho
Beira-Mar, e Leonardo Dias Mendonça, a Justiça tem recorrido ao
velho Código Penal, de 1940, e à
Lei de Entorpecentes, que em outubro completará 27 anos.
É o caso dos dois processos da 1ª
Vara Criminal de Duque de Caxias (Baixada Fluminense) que relacionam Beira-Mar e outros 38
réus ao tráfico de drogas.
Líder de uma organização criminosa com ramificações no exterior (Colômbia e Paraguai) e
postos definidos de comando,
distribuição e armazenamento de
mercadorias, Beira-Mar foi denunciado por tráfico e associação
para o tráfico, crime da Lei de Entorpecentes (6.360/76) que equivale ao de formação de quadrilha
no Código Penal.
Fosse na Itália, Beira-Mar estaria sendo processado pela prática
de crime organizado (crime de associação delinquencial de modelo
mafioso, na definição italiana),
diz o juiz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas.
As penas e os regimes prisionais
seriam mais rigorosos.
No Brasil, é diferente. A Lei do
Crime Organizado (9.304/95) não
define o que é crime organizado.
Ela somente regulamenta procedimentos operacionais durante o
processo. Serve à Justiça na investigação (interceptação telefônica,
quebra de sigilos e prisão provisória, principalmente), mas não estipula as penas.
Uma das críticas à lei é que seu
artigo 1º equipara organizações
criminosas a quadrilhas ou bandos. No sexagenário Código Penal, a formação de quadrilha ou
bando (mais de três pessoas) resulta em pena de 1 ano a três anos
de prisão.
O caso dos bicheiros do Rio
-talvez a forma mais estabelecida e antiga de organização criminosa do país- evidencia a falta
de uma legislação penal para o
crime organizado.
Em maio de 1993, a juíza estadual Denise Frossard (hoje deputada federal pelo PSDB do Rio)
condenou 14 chefões do jogo do
bicho por formação de quadrilha.
Como os bicheiros compareciam
a audiências com seguranças armados, a juíza aplicou a pena máxima prevista no Código Penal.
Eles foram condenados a seis
anos de prisão (quando a quadrilha é armada, a lei prevê o dobro
da pena). Dez anos após o histórico processo, o procurador aposentado Antônio Carlos Biscaia
(hoje deputado federal pelo PT do
Rio) lembra que a condenação
por formação de quadrilha foi o
modo encontrado pela juíza para
condenar os bicheiros. As investigações policiais de crimes dos
quais eles eram acusados, como
homicídios e tráfico de drogas,
não avançaram.
Em dezembro de 2000, o Brasil
subscreveu o documento final da
Convenção de Palermo sobre Criminalidade Organizada, firmando a disposição de adotar o modelo italiano de combate ao crime.
Passados mais de dois anos, o Legislativo ainda não apreciou a
questão.
No crime organizado, segundo
a convenção, há controle social e
de território e poder de intimidação por parte dos criminosos, entre outras características. As quadrilhas ou bandos da legislação
nacional são rudimentares. A associação para o tráfico é limitada
a essa modalidade criminosa.
Para o desembargador José da
Gama Malcher, 70, a Lei do Crime
Organizado confunde quadrilha
com organização criminosa. "É
preciso que a lei defina o que é organização criminal. Às vezes, são
simples quadrilhas. A lei precisa
de reparos", disse ele, que presidiu o Tribunal de Justiça do Rio
em 1996 e 1997.
Talvez o modelo mais consistente de crime organizado no Brasil seja o de Leonardo Dias Mendonça, empresário preso em dezembro do ano passado e condenado a 23 anos de prisão por tráfico em Mato Grosso.
De acordo com as investigações
policiais e do Ministério Público,
Mendonça montou um esquema
de tráfico com conexões no Paraguai, Colômbia, Suriname e Guiana, em oito Estados e no Distrito
Federal. Na organização, atuavam
pelo menos 27 pessoas, processadas por associação para o tráfico.
Suas ramificações iam, possivelmente, ao Legislativo (o ex-deputado federal Pinheiro Landim,
que renunciou duas vezes, nega
envolvimento com a organização) e ao Judiciário. Suspeito de
favorecer Mendonça, o desembargador federal Eustáquio Silveira foi afastado de suas funções no
TRF (Tribunal Regional Federal)
do Distrito Federal.
Para o juiz federal Abel Gomes,
autor da monografia "Crime Organizado e suas Conexões com o
Poder Público" (livro "Crime Organizado", publicado em 2000 pela editora Impetus), o crime organizado se infiltra em órgãos oficiais. "O criminoso precisa neutralizar os meios de prevenção e
combate. Isso quase sempre se dá
com corrupção."
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