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LEGISLAÇÃO
Contravenção está prevista em lei de 1941, quando o trabalho era lema de governo; aplicação atual ignora desemprego
Apesar da crise, vadiagem ainda dá prisão
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Cortador de cana no interior de
São Paulo, Pedro (nome fictício)
reuniu suas economias -cerca
de R$ 200- e foi para a capital à
procura de emprego. Em Osasco
(Grande SP), Manuel José da Silva
se orgulhava do trabalho de dez
anos como metalúrgico que lhe
permitiu comprar a casa e o carro.
Só que algo deu errado. Com
baixa escolaridade -4ª série do
ensino fundamental-, Pedro
não conseguiu emprego e o dinheiro acabou. Hoje, com 26
anos, ele se prostitui no centro de
São Paulo.
Mais velho -na faixa dos 40
anos, pelo o que ele se lembra-,
Silva teve o nome incluído na lista
de demissões da empresa. Não
conseguiu mais emprego, virou
catador de papel, passou a beber
compulsivamente, abandonou a
mulher e as duas filhas e hoje é
morador de rua.
Nos últimos anos, Pedro e Silva
tiveram passagens seguidas por
delegacias e fóruns. A acusação é,
para eles, uma ironia e também
uma ofensa. Os dois foram presos
por vadiagem.
Em um Brasil onde o desemprego é recorde -13,1% em abril, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)-, a
vadiagem, a mendicância e a embriaguez ainda são consideradas
contravenções penais (atos ilícitos com menor gravidade).
Estão previstas em uma lei de
1941, da era Vargas -na qual o
trabalho era lema de governo-,
que passou por poucas alterações.
Dados do sistema integrado de
informações criminais da Fundação Seade (Sistema Estadual de
Análise de Dados) mostram que a
Lei de Contravenções Penais continua sendo usada em delegacias
contra supostos vadios, mendigos
e bêbados.
De 1997 a 2002, 1.006 pessoas foram detidas por vadiagem -
"entregar-se habitualmente à
ociosidade, sendo válido para o
trabalho, sem renda que lhe assegure meios de subsistência"- no
Estado de São Paulo.
No mesmo período, 484 pessoas
foram autuadas por mendicância
-"mendigar por ociosidade ou
cupidez [cobiça]"- e 24.191 por
embriaguez -"apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia".
Legislação
Pela legislação de 1941, quem
cometer esses três atos ilícitos está
sujeito a prisão de 15 dias a três
meses. São Paulo chegou a ter
uma Delegacia de Repressão à
Vadiagem, extinta em meados da
década de 90, quando as autuações passaram a ser realizadas em
menor número.
Em décadas anteriores, os presos por vadiagem costumavam
passar uma noite na cadeia e só
voltavam para a rua depois de assinar um termo no qual se comprometiam a arrumar um emprego em 30 dias. Se não cumprisse o
acordo e fosse pego de novo, seria
processado.
Com a lei 9.099, de 1995, as contravenções passaram a ser analisadas pelos Juizados Especiais
Criminais. Na delegacia, contraventores assinam um termo circunstanciado no qual se comprometem a comparecer ao fórum.
Podem receber penas alternativas
de serviços à comunidade.
"Essa legislação é obsoleta e discriminatória. Só expõe as pessoas
de baixa renda e não resolve o
problema. Além disso, gera custos e toma tempo de agentes da
polícia e do Judiciário", disse o
advogado Ademar Gomes, 61,
presidente de honra da Acrimesp
(Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo).
A entidade, que presta assistência judiciária a pessoas de baixa
renda, atendeu 21 casos de pessoas autuadas por vadiagem nos
últimos anos, segundo a advogada Vitória Nogueira.
Em 19 deles, as pessoas -na
maior parte mulheres- estavam
envolvidas com prostituição.
"Prostituir-se não é crime. Essas
pessoas são levadas por vadiagem, o que é errado", disse ela.
Os homens são maioria entre os
atendidos em casos de mendicância -sete dos nove atendimentos- e de embriaguez -35 de
um total de 46 pessoas.
Emprego
Pedro e Silva estão entre os atendidos pela entidade. Pedro diz
que, das cinco vezes que foi autuado por vadiagem desde o ano passado, conseguiu o arquivamento
de todos os casos ao relatar para o
juiz que tentava sobreviver com a
prostituição.
Silva recebeu pena alternativa
em pelo menos três casos por vadiagem e embriaguez em 2002 e
2003. Não cumpriu. "É ele quem
precisa de ajuda. Como vai servir
à comunidade?", questiona o advogado Ademar Gomes.
Pedro e Silva não autorizaram
suas fotos porque dizem ter vergonha de serem vistos por familiares. Eles mesmos afirmam saber o segredo de sua reabilitação.
"Eu só quero um emprego para
poder ter minhas filhas de volta",
diz Silva. "Quero um emprego para não ter de voltar para o interior
com as mãos vazias", diz Pedro.
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