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DANUZA LEÃO
Desvendando o passado
Tudo que se quer no
mundo é saber o que vai
acontecer no futuro; para isso,
nada como uma boa cartomante.
Mas será que ainda existe alguma?
Eu tive a minha, que morava
num apartamento modesto, num
bairro modesto, e chegava à sala
passando por uma cortina de
contas bem ordinária, usando
um vestido trespassado -um robe, praticamente, e estampado, é
claro.
O baralho era velho, sebento, e
Jandira -seu nome-, muito
simpática.
Embaralhava as cartas devagar, olhando dentro dos meus
olhos, mandava que cortasse com
a mão esquerda e a primeira coisa que dizia sempre era: "Estou
vendo um homem na sua vida,
mas ele está longe; vocês brigaram?". Elementar: mulher que vai
à cartomante é porque as coisas
não vão bem no quesito amor.
Aí, continuava: "É preciso tomar cuidado com uma mulher
que está te afastando desse homem e quer te fazer mal". Se aparecesse a dama de ouros ou de copas, era uma loura; se de paus ou
de espada, morena.
Cartomante é -era- coisa de
mulher. O que todas, de todas as
idades, queriam saber é se o homem que amavam iria voltar. E a
resposta era sempre sim.
No final da consulta, pedia-se
para confirmar as previsões. Jandira embaralhava as cartas de
novo, pedia para cortar e separar
em três montinhos -sempre com
a mão esquerda; depois de um
momento de suspense, dizia que
sim, que ele iria voltar, mas era
preciso tomar cuidado com a tal
mulher. E a gente saía toda feliz.
Quando -e se- ele voltava,
mais uma consulta para contar
tudo -e levando um presente como homenagem à competência
da profissional.
E ainda tinha as simpatias:
uma delas mandava cortar uma
mecha do cabelo do homem amado enquanto ele estivesse dormindo, botar num saquinho feito com
um lenço roubado (dele) e usar
dentro do sutiã durante 15 dias.
Outra era acender duas velas e
colocar bem juntinhas num pratinho com mel. Se fizesse isso todos
os dias, estava garantido um futuro cheio de felicidades para você e o homem amado. Mas atenção: as velas tinham de ser acesas
à meia-noite em ponto, e a simpatia só daria certo se elas queimassem até o fim. Quanta ingenuidade; quanta inocência; como era
bom.
Mas o mundo mudou; vieram
os psicanalistas, os astrólogos, e
ninguém mais acreditou nas cartas; as cartas que -diziam-
não mentem jamais. Com todo o
respeito a dr. Freud, no tempo das
cartomantes, a vida era mais romântica.
Hoje as pessoas olham o passado -o delas e o dos outros- para tentar compreender o presente.
Os traumas da infância justificam as neuroses do presente, e
nas mesas de botequim todos se
sentem capazes de dar palpites de
almanaque, desde o "ele sente
culpa porque a mãe foi abandonada, é por isso que não tem coragem de ser feliz" a "é medo de encarar uma mulher liberada como
você" e por aí vão, no embalo do
chopinho, decifrando a natureza
humana.
Hoje, se você for a um médico
com uma dor de cabeça e perguntar se é sério, ele indaga sobre as
doenças que você já teve -as
suas e as da família inteira-, pede todos os exames e diz que não
pode garantir nada; diagnóstico,
só depois de ver os resultados. Se
pergunta ao amigo mais íntimo
se ele acha que você vai conseguir
seja lá o que for -um trabalho,
fazer uma viagem, arranjar um
namorado-, ele vai dizer que
não sabe, pode ser, talvez, mas
não é adivinho. Ninguém quer se
comprometer; ah, que saudade
das cartomantes que sempre sabiam tudo, davam esperanças para tudo, diziam que tudo ia dar
certo sempre, sempre.
Sem esperança a vida é muito
dura.
E-mail -
danuza.leao@uol.com.br
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