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SEGURANÇA
Dos policiais mortos em São Paulo desde 2001, 70% estavam fora do serviço quando foram vítimas de violência
PM sem farda corre mais risco de morte
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A carteira funcional vai parar na
meia. A farda é bem escondida na
sacola. Assim, o soldado da Polícia Militar de São Paulo José (nome fictício), 43, sai do quartel e toma dois ônibus até chegar em casa, na periferia, onde os poucos
vizinhos que o conhecem pensam
que ele é funcionário de uma loja
de móveis. À noite, ele sai para o
"bico" de segurança com uma arma não registrada, mas mente
que trabalha como garçom.
Como policial, José enfrenta
uma rotina de riscos na zona leste
da capital paulista, uma das regiões mais perigosas da cidade.
Mas ele tem mais medo de ser vítima da violência quando está de
folga ou no segundo emprego.
As estatísticas oficiais mostram
que a intuição dele está correta.
Dos 297 policiais militares mortos
entre janeiro de 2001 e julho de
2003 na cidade de São Paulo, 70%
estavam de folga.
Na Polícia Civil, o índice de
mortes fora do serviço é de 48%
no mesmo período. Dos 79 mortos, 38 não estavam trabalhando.
Os dados, que levam em conta
homicídios e mortes acidentais,
foram contabilizados pelas corregedorias das polícias Civil e Militar e pela Ouvidoria das Polícias.
De janeiro a julho de 2003, o
percentual de PMs mortos fora de
serviço (79,3%) superou 2001
(71%) e 2002 (65,2%). Em números absolutos, porém, o maior número de mortes em folga ocorreu
em 2001 (88 casos).
Causa
"Pelo menos 90% dos policiais
militares que morrem na folga estão no bico. E isso ocorre em todo
o país", afirmou o cabo Wilson
Morais, presidente da Associação
de Cabos e Soldados de São Paulo
e diretor de comunicação da associação nacional. No Rio, de janeiro de 2001 a junho de 2003, 78%
dos PMs mortos estavam de folga.
Há 23 anos na PM, o soldado José fez serviços extras nos últimos
dez. Diz que ganha R$ 1.200 pela
PM e R$ 1.700 como segurança de
uma empresa e de um supermercado. Veste farda 12 horas seguidas, dia sim dia não. Mas é segurança todas as noites.
Como segurança, por duas vezes ele trocou tiros com ladrões.
Não se feriu e não feriu ninguém.
Trabalha sozinho, sem colete à
prova de balas. "Tento sempre ficar atrás de um balcão ou de uma
parede. Sei que é perigoso, mas a
gente tem de se virar."
Para o presidente da associação
que representa os cabos e soldados, há outro fator de risco, além
do bico: os baixos salários empurram os policiais para moradias
em áreas distantes e com alto índice de criminalidade.
"O PM e a família dele tornam-se alvos. Muitos escondem sua
função para poder sobreviver",
disse o cabo Wilson.
No bairro em que morava antigamente, o soldado José conseguiu esconder sua função até que
um PM conhecido, que passava
em uma ronda, o cumprimentou.
José, que vivia perto de um ponto-de-venda de drogas, passou a receber ameaças de morte. As
ameaças agravaram problemas
familiares, e o soldado foi abandonado pela mulher e pelos filhos,
que foram morar no interior.
O criminólogo Túlio Kahn,
doutor em ciência política, afirma
que, ao analisar as estatísticas de
policiais mortos, deve-se levar em
conta que uma parte é vítima ao
reagir -algumas vezes precipitadamente- ao testemunhar crimes fora do horário de serviço.
Para o pesquisador, a maior vulnerabilidade do policial durante a
folga exige mudanças no seu próprio treinamento. Kahn afirma
que o policial deve ser orientado a
agir apenas se houver condições
mínimas para isso. Em serviço,
por exemplo, ele é instruído a comunicar a situação a outros policiais e aguardar ordens e reforço.
"Um bom policial, em suma, é um
policial vivo", diz.
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