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SEGURANÇA
Para sobreviver, PM leva vida de fugitivo, separado da família, mentindo sobre a vida profissional e fazendo bicos
Soldado esconde a profissão dos vizinhos
DA REPORTAGEM LOCAL
O soldado da PM José (nome
fictício), 43, vive quase como um
foragido da Justiça. Mente sobre a
profissão, evita os vizinhos e se
mantém isolado em apartamento
de quarto e cozinha depois de ser
abandonado pela mulher e pelos
filhos.
A farda, objeto de orgulho no
início da carreira, passou a ser
motivo de medo. Jamais a usa fora de serviço. Diz que se mantém
anônimo por sobrevivência, apesar de sentir pela profissão a mesma paixão de 23 anos atrás, quando entrou na Polícia Militar.
(GILMAR PENTEADO)
Folha - As estatísticas mostram
que 70% das mortes de PMs ocorrem no horário de folga.
José - Por causa do bico, cara.
Tem vários colegas meus que
morreram no bico, vários. Na zona leste, neste ano, pelo menos oitos policiais morreram assim.
Folha - Se ganhasse mais na polícia, continuaria no bico?
José - Claro que não. Se eu estivesse ganhando mais, hoje eu não
moraria sozinho, não teria meus
filhos longe de mim. Existem momentos em que a família não
aguenta. A família chega e fala: ou
a polícia ou nós. Aí você tem de fazer a opção. Ou vai viver de amor
com a família debaixo de uma
ponte ou vai continuar na polícia.
Folha - O sr. esconde a farda
quando volta para casa?
José - Eu levo a farda na bolsa. A
minha identidade [funcional] eu
coloco na meia. Dizem que são 17
mil policiais militares na zona leste. Trombar [encontrar] com um
fardado fora de serviço é a coisa
mais difícil do mundo.
Folha - E isso não é estranho?
José - Adoro o que eu faço. Sou
apaixonado pela Polícia Militar e
o que me deixa triste é não poder
mostrar para todo mundo que eu
sou um policial [chora].
Folha - O sr. tem medo?
José - De todo mundo. De bandido, da corregedoria, da polícia.
Folha - Foi essa vida que fez sua
família ir embora?
José - Meus filhos se mudaram
para o interior. Eu tive de sair da
casa onde vivia. Os bandidos vieram para cima porque souberam
que era um polícia (sic). Onde eu
moro hoje, ninguém sabe minha
profissão. Entro e saio à paisana.
Folha - Como eram as ameaças?
José - Colocavam papelzinho na
caixa do correio escrevendo
"gambé [PM na gíria de criminosos] maldito, vai morrer". Escreviam no poste, no muro.
Folha - Como o descobriram?
José - Uma viatura passou lá e
um parceiro me reconheceu, me
cumprimentou e pronto. Era perto de um ponto-de-venda de droga. Em seis meses, eu tive de me
mudar. Hoje em dia, ou você se
esconde ou dança mesmo.
Folha - E isso colaborou para a separação?
José - Também. Os meninos começaram a falar em ir embora.
Tentei conseguir vaga no interior,
não consegui. Um dia, a mulher
virou e disse: você não é vagabundo, é inteligente, consegue trabalhar, você escolhe. Mas aí eu falei:
como eu vou largar os anos de polícia? Eles arrumaram um caminhão de mudança e foram embora para o interior.
Folha - Foi a escolha entre a polícia e a família?
José - É isso. Só para você imaginar, fui reprovado cinco vezes na
polícia. E passei na sexta, tanta era
a vontade que eu tinha, cara. Eu
era doente para entrar na polícia.
Eu gosto ainda, mas não posso falar o que eu sou. Eu me sinto um
zero à esquerda. Profissionalmente, eu sou um cara frustrado.
Folha - O sr. se arrepende de não
ter deixado a polícia?
José - Um homem com mais de
40 anos ia arrumar emprego onde
no interior? Eu não tinha opção.
Eu não sei, eu não tenho mais
projetos [chora].
Folha - Onde o sr. mora hoje?
José - Em um quarto e cozinha.
Cumpro o meu horário, não tenho ânimo, não vejo a hora de
chegar a noite para encostar a viatura e ir embora.
Folha - E os vizinhos atuais, sabem que o sr. é policial?
José - Não tenho amizade com
os vizinhos. Porque, se permitir, o
vizinho vai entrar em casa e vai
ver a farda pendurada no varal.
Não tenho contato. É "bom dia" e
"boa tarde" para não dar liberdade de entrar na casa.
Folha - E o sr. mente sobre a sua
profissão?
José - Onde eu moro, o dono da
casa acha que sou gerente de uma
loja. A casa não foi alugada em
meu nome porque eu teria de
mostrar comprovante de serviço.
À noite, não fico em casa. Aí digo
que faço um bico de garçom lá no
centro da cidade.
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