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GILBERTO DIMENSTEIN
Lugar de estudante é na rua
Imagine a avenida Paulista,
cartão-postal da cidade de São
Paulo, transformada em laboratório para estudantes.
Dentro da grade curricular e
durante o horário de aula, os alunos frequentariam regularmente
museus, entre os quais o Masp, cinemas, teatros, bibliotecas, exposições, além de serem introduzidos no mundo do trabalho pelas
empresas instaladas na Paulista.
Os professores seriam treinados
para mesclar os saberes e fazeres
daquela avenida com matérias
como português, geografia, história e ciências a tal ponto que não
se distinguiriam mais os limites
entre escola e rua, ambas fundidas num só espaço educativo.
Por mais delirante que pareça,
esse laboratório de engenharia
comunitária já está em andamento. É mais uma tentativa, entre tantas no Brasil, de mostrar
saídas para melhorar a educação
e, ao mesmo tempo, produzir cidades mais civilizadas.
Ainda engatinhando, os experimentos na avenida Paulista
acontecem em uma escola pública (Conselheiro Rodrigues Alves)
a partir de uma situação absurda.
O prédio da escola é tombado
pelo patrimônio histórico, mas
nem a opulência dos vizinhos,
que compõem um naco do PIB
brasileiro, foi capaz de impedir
que assumisse um aspecto desolador, agravado pelo contraste com
o entorno: além da pichação, infiltrações ameaçavam derrubar
as paredes.
Os estudantes praticamente
não usufruem as riquezas culturais e tecnológicas a seu alcance,
algumas delas referências mundiais. Exatamente ao lado da
Conselheiro Rodrigues Alves está,
por exemplo, um dos mais importantes centros latino-americanos
de arte digital.
Diante do visível absurdo de
uma escola padecer em meio a vizinhos tão poderosos, muitos dos
quais disseminadores do conceito
de responsabilidade social, começou neste ano a operação de engenharia comunitária. Da reforma
do prédio ao treinamento dos
professores e à modernização do
currículo, juntam-se pais, estudantes, professores, empresas,
fundações e poder público estadual e municipal.
O que acontece naquele pequeno trecho simboliza a percepção
que começa a se espalhar em todo
o país de que educar é algo muito
sério e complexo para ficar apenas nas mãos das escolas, dos professores e do poder público.
No Rio de Janeiro, a iniciativa
de abrir as escolas nos fins de semana, convertendo-as em centros
comunitários, reduziu o nível de
violência e de depredação e, por
envolver as famílias, afetou positivamente o aprendizado dos alunos. Em várias cidades, como Salvador, Recife, Belo Horizonte,
Porto Alegre e Curitiba, entre outras, casos isolados mostram que,
quanto maior o envolvimento comunitário, melhor tende a ser a
qualidade de ensino -os professores e os diretores ficam mais
motivados e as crianças percebem
o valor do conhecimento.
Tanto a proposta do Centro
Educacional Unificado (CEU), de
Marta Suplicy (PT), que une, em
um mesmo espaço, cultura e esporte, como a da Escola da Família, de Geraldo Alckmin (PSDB),
de abrir as instalações de todas as
escolas estaduais nos fins de semana, com atividades administradas por universitários, assentam na aposta da engenharia comunitária. É claro que o sucesso
das propostas depende da competência para gerir essa complexidade de agentes -o que está para ser provado.
Testemunhei, em Nova York,
verdadeiros milagres operados
em escolas públicas quando a comunidade atuava, na prática, como um corpo docente.
O que li e observei em experiências internacionais vejo de perto
há seis anos com educadores que
desenvolvem o projeto de bairro-escola, em São Paulo. Em poucas
palavras, busca-se transformar
todo o bairro numa escola, fazendo dos ateliês, praças, cinemas,
teatros, becos e oficinas uma extensão das salas de aula. O papel
dos educadores é ressignificar espaços, produzir programas complementares ao ensino formal e
traçar roteiros alternativos de
aprendizado. Aprende-se, por
exemplo, anatomia numa escola
de circo, através do movimento
dos corpos, história numa aula de
culinária, artes plásticas nas paredes de um beco, cidadania ao
cuidar de uma praça ou português elaborando um site.
Não demora muito para que a
curiosidade das crianças seja despertada -o que, cedo ou tarde, se
reflete em melhoria da relação,
nem que seja pela crítica, dos alunos com suas escolas.
Todos já sabem e não se cansam
de repetir que o problema da educação está na qualidade. Todos
repetem que vivemos na era da
aprendizagem permanente. A novidade é que os responsáveis por
políticas públicas começam a descobrir que se deve prestar atenção
tanto ao que acontece em sala de
aula como às lições da rua.
Qualquer projeto de educação
que, atualmente, não leve em
conta a importância da pedagogia comunitária é tão frágil como
uma escola sem bons professores.
PS - Um dos participantes da experiência da avenida Paulista é o
professor Antônio Carlos Gomes
da Costa, um dos mais influentes
pensadores da educação brasileira. Ele escreveu um texto, ainda
inédito, sobre comunidades educativas, com base nas demandas
da sociedade do conhecimento. O
texto está na página do Aprendiz:
www.aprendiz.org.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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