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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A questão do investimento
ALOIZIO MERCADANTE
O aumento do investimento
é condição necessária para a
elevação da taxa de crescimento
da economia, pois é através dele
que se amplia a capacidade de produção e se incorpora o progresso
técnico via introdução de novos
produtos e métodos de produção.
As baixas taxas de crescimento do
PIB observadas nos últimos anos
(2,4% anuais entre 1990 e 2002) expressam a incapacidade do modelo de política econômica adotado
para expandir o investimento. A
política econômica falhou em propiciar ao setor privado uma relação entre a taxa esperada de retorno do capital e a taxa de juros suficientemente elevada para estimular o investimento produtivo. Na
realidade, ao restringir e encarecer
o crédito e "financeirizar" a economia, fez exatamente o oposto, proporcionando uma elevada rentabilidade diferencial ao investimento
financeiro. Além disso, o quadro de
crise fiscal permanente produzido
pelo endividamento público, associado às políticas de câmbio e juros, e as limitações impostas às empresas estatais restringiram fortemente o investimento público, neutralizando um dos principais vetores, na nossa experiência histórica,
da expansão e da indução do investimento total.
A preços constantes de 1980, a taxa bruta de investimento da economia, que na década de 70 tinha
atingido, em média, mais de 23%
ao ano, caiu, no período 1990/2002,
para um patamar inferior a 15%,
abaixo até mesmo da média dos
anos 80 (18,5%). Note-se adicionalmente que, como mostra o gráfico acima, desde 1998 a variação
real do nível de investimentos não
somente foi negativa na maior
parte do período como se situou
abaixo da variação real do PIB, indicando um processo de relativa
descapitalização da economia brasileira.
A abertura ao capital estrangeiro
e a privatização das empresas estatais não geraram alterações significativas nesse processo. O grande
afluxo de investimento direto estrangeiro ocorrido no período, ao
dirigir-se em grande medida à
aquisição de empresas já existentes, públicas e privadas, não contribuiu diretamente para o aumento
da taxa de investimento. Por seu
turno, a privatização da maior
parte das empresas estatais reduziu praticamente à metade sua
contribuição para o investimento
total.
Esse quadro de escasso dinamismo do investimento coloca para o
futuro do país dois grandes desafios. O primeiro é aumentar substancialmente a taxa de investimento, de modo a criar as bases
produtivas para a expansão sustentada do PIB da ordem de 5% a
6% anuais, o que possibilitaria gerar os empregos necessários para a
absorção dos aumentos na força de
trabalho e redução progressiva dos
atuais níveis de desemprego e precarização do mercado de trabalho.
O segundo é alocar melhor os investimentos de modo a expandir a
capacidade de produção de bens e
serviços de consumo em massa,
corrigir as fragilidades da estrutura industrial, que vêm impedindo
a inserção mais dinâmica das exportações nos mercados externos, e
reduzir o coeficiente de importações em segmentos em que o país se
tornou muito dependente do exterior e para os quais possui competitividade efetiva ou potencial.
O primeiro desafio envolve várias dificuldades que o país não
tem conseguido superar ao longo
das últimas duas décadas. Em primeiro lugar, será preciso criar um
ambiente favorável aos investimentos, o que implica duas coisas:
gerar expectativas econômicas favoráveis em relação ao futuro e
mobilizar fundos de longo prazo a
taxas de juros compatíveis com o
retorno adequado dos investimentos. O sucesso da atual política macroeconômica em estabilizar a economia e baixar as taxas reais de
juros, complementado com o bom
encaminhamento das reformas tributária, previdenciária e financeira, será decisivo para propiciar a
expansão do crédito bancário,
atualmente muito contraído em
relação à dimensão do PIB, e a
acumulação de fundos de longo
prazo nas empresas e no sistema financeiro.
Em segundo lugar, será necessário elevar o investimento público,
que alcançou níveis extremamente
baixos nos últimos anos, por meio
da geração de receitas próprias e
do financiamento dos bancos oficiais, no caso das empresas estatais, e via ampliação e remanejamento dos recursos fiscais, no caso
do governo.
As dificuldades para expandir
rapidamente a formação de capital nos próximos anos reforçam a
necessidade de melhorar simultaneamente a eficiência na alocação
dos investimentos, o que implica
priorizar opções que permitam
complementar e potencializar a
utilização das capacidades existentes, que tenham baixa dependência de recursos externos, que ampliem a disponibilidade de serviços
de infra-estrutura e que criem condições favoráveis para a futura expansão dos mercados.
Por último, não é demais recordar que, na boa teoria econômica,
o problema central do aumento da
taxa de investimento não é a escassez de poupança interna prévia,
como tem sido frequente escutar de
economistas que aplicam na macroeconomia as noções comuns retiradas da economia doméstica. A
elevação do patamar de investimentos necessariamente requer
que os capitalistas gastem um volume de recursos superior a sua
poupança prévia. Por isso materializar essa elevação pressupõe o aumento do endividamento dos
agentes envolvidos como contrapartida da correspondente expansão do crédito. Nessa perspectiva, a
funcionalidade das políticas de diminuição do déficit fiscal está relacionada com sua eficácia para reduzir as taxas de juros e estimular
o acesso ao crédito de investimento
e, em consequência, desencadear
um ciclo virtuoso de crescimento
do PIB e da receita fiscal. Sem a redução dos juros e o aumento dos
gastos privados, via maior endividamento, as políticas de contenção
do gasto público apenas reduziriam a demanda efetiva e a arrecadação, acentuando, recorrentemente, o próprio desequilíbrio fiscal.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal.
E-mail -
mercadante@senador.gov.br
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