|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O sambista branco do Méier
Neste início de junho,
faz três anos da morte de
João Nogueira. Antes de morrer ele andava meio desaparecido, sofreu dois derrames, se
escondeu. Quando começava
a se recuperar, foi fulminado
por um enfarte. Por isso sua
morte não provocou a comoção à altura de sua importância para a música brasileira.
No entanto, ao lado de Martinho da Vila, Paulinho da
Viola e Elton Medeiros, foi o
grande nome do samba, uma
geração que segura a peteca
até a chegada de Zeca Pagodinho.
Sua carreira começou um
pouco mais tarde que a maioria da sua geração. João nasceu em 1941, no Méier. Sua primeira gravação foi apenas em
1968. Nem tinha saído ainda
de Poços e São João da Boa
Vista, e a música que repercutiu muito na época falava das
200 milhas da costa brasileira
-uma batalha diplomática
na qual o Brasil reivindicava
direitos sobre essa extensão da
costa.
O estilo de composição, a
voz, a divisão que impunha à
música eram inconfundíveis.
Foi um dos estilos mais pessoais e um dos sambistas mais
completos que o país conheceu.
Nesta sexta, em Ribeirão
Preto, dava para ouvir um dos
cantores do Templo da Cidadania -um local de música
muito interessante- cantar
as músicas de João Nogueira
como João Nogueira.
Lembro por volta de 1980 ele
e Paulinho da Viola gravando
um samba de Geraldo Pereira.
A interpretação de Paulinho
era aquela clareza de correção. A de João Nogueira, o puro embalo da malandragem, o
sincopado imprevisível, a malemolência do malandro.
No início, consolidou um
conjunto de parcerias alegres
com Eugênio Monteiro, belíssimo letrista e parceiro em "Nó
na Madeira" e "Súplica" ("O
corpo a morte leva / A voz some na brisa / A dor sobe pras
trevas / O nome a obra imortaliza").
Em seguida, conheceu Paulo
César Pinheiro, com quem
comporia uma fieira de sambas clássicos, densos. Nos anos
70, constituíram uma dupla
que, em letra, música e criatividade de temas, rivalizava
com João Bosco-Aldir Blanc.
São desse período clássicos como "O Poder da Criação", "E
Lá Vou Eu" ("E lá vou eu / Melhor que mereço / Pagando a
bom preço / A evolução"), "Eu,
hein, Rosa" e "Espelho" -este, para mim, um dos grandes
sambas da história do país, à
altura de "Meus 20 Anos", de
Wilson Batista, uma lembrança comovente do pai, chorão
que tocou violão com Pixinguinha e com o histórico Rogério Guimarães.
E foi numa noite daqueles
tempos que juntamos o povo
do bar do Alemão em torno da
mesa oito, cantando os sambas de João Nogueira. Àquela
altura, ele era um nome consagrado. O bar ainda estava
vazio, e o Nego Almeida puxou o samba, nem lembro se
"O Poder da Criação" ou "Súplica". Na mesa ao lado do
caixa estava um homem comendo, sozinho, sem conversar com ninguém.
À medida que o samba embalava, ele levantou, ficou de
pé junto a nossa mesa e ousou
repetir alguns estribilhos. A
cara bixiguenta era inconfundível. Era o próprio João Nogueira apreciando sua obra,
com a humildade dos grandes.
Tornou-se freguês do boteco
sempre que vinha do Rio. Mesmo depois que o bar perdeu o
embalo e as noitadas se resumiam às segundas, muitas vezes lá estava João Nogueira esparramando seu balanço, com
o parceiro Paulo César Pinheiro e com Clara Nunes.
Não sei por que, mas de vez
em quando me dá uma saudade danada daqueles tempos de
boemia e jornalismo.
E-mail -
luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Tendências internacionais: Construção de "outro mundo" é possível e necessária Próximo Texto: Círculo vicioso: Após um ano, inadimplência volta a subir Índice
|