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LUÍS NASSIF
As brasileirinhas e o futebol
O relógio das menininhas
são os desenhos no canal
infantil da TV a cabo. Começam
às 19h, com um desenho de nome
estranho, "Rubadubbers", que
elas pronunciam com um erre de
texano ou de mineiro. Às 19h30,
vão para cama. Como à noite
pouco as encontro acordadas,
quando estou em casa assistem a
desenhos debaixo da minha asa.
Por esse conjunto de circunstâncias, achei que haveria certa
dificuldade em assistir à final da
Copa América, sem abrir mão da
companhia das duas. Vieram
para minha asa e tive de assistir
ao insuportável. Ainda tentei negociar algum "Tom & Jerry",
"Pernalonga", mas em vão.
Aproveitei o intervalo do desenho, mudei de canal, as menininhas chiaram um pouco, mas começaram a se acostumar com o
jogo. Desde a Copa do Mundo
passada, aprenderam a reconhecer a bandeira nacional e, sempre que passo pelo estádio do Pacaembu e tem jogo, elas gritam
Brasil.
Quando a partida estava chegando ao final, a Argentina marcou, Deus empatou a 20 segundos do final e se foi para a disputa por pênaltis. Com ar falsamente compungido, comuniquei
às menininhas que o desenho
dançara: o Brasil estava disputando a final. Nem foi preciso
muita lábia: as brasileirinhas já
estavam ligadas no jogo.
A cada batida de pênalti do
Brasil elas me davam a mão, formava-se a corrente e gritávamos
em coro: "Marca, marca...". A cada batida da Argentina, o coro
invertia: "Erra, erra...". E, a cada
gol nosso, a celebração, com os
punhos levantados. Quando terminou o jogo, ambas estavam
vermelhinhas de emoção e de
gritar. Eram duas brasileirinhas
exemplares.
E aí fui me dando conta da relevância do esporte na formação
da nacionalidade. Na minha infância, o conde Afonso Celso ainda era reverenciado. Orgulhávamo-nos de morar em um país tão
grande e importante, comemorávamos as vitórias contra o Paraguai de Lopes e a Argentina de
Rosas.
Mas o coração começou a bater
verde-amarelo de fato nas Copas
do Mundo. A de 1958 acompanhei cada segundo da transmissão final, com meu pai do lado
morrendo de medo de se repetir
a tragédia do Maracanã. Naquela Copa, tia Rosita preparou um
doce árabe, de nome macrum.
Como ganhamos, o doce virou
padrão: todo jogo do Brasil tia
Rosita tinha que fazer o tal macrum. Muito doce para mim,
mas tudo pela vitória.
Pior sorte teve o Nelson Paina,
empregado da fábrica de doces
do meu tio Léo. Num assomo de
patriotismo, em 1958 prometeu
comer mexerica com casca e tudo se o Brasil vencesse. Teve que
repetir o ato heróico em cada jogo da Copa de 1962. Na de 1966,
nem ponkan foi suficiente. Na de
1970, esquecemos o travo amargo da ditadura, de que não era
politicamente correto torcer pelo
Brasil, e saímos em passeata comemorando o tricampeonato.
Tia Rosita só se recusava a fazer o macrum quando o Brasil
jogava com a Argentina, sua terra natal. Ensinou-nos a cantar as
"señoritas de San Nicola", desistiu de nos ensinar o hino argentino e a querer comparar San
Martín com Caxias. Mas não
abriu mão de, nos jogos das duas
seleções, torcer pelo empate.
Com as meninas mais velhas,
ocorreu o mesmo. Em 1982, com
pouco mais de três anos, a Maricota ficou traumatizada com os
berros que dei em homenagem à
seleção de Zagallo. E perguntou
por que estava tão triste, quando
me viu com a ressaca da derrota
para a Itália. Aquela Copa foi o
Maracanã de 50 para nossa geração. Meu Deus!, como pôde
perder? Telê, Sócrates, Zito, Falcão, Cerezzo, Éder. Deixa pra
lá...
Por isso mesmo, fico meio atravessado quando, em períodos
eleitorais, misturam futebol e política, acham que uma vitória em
campeonato pode melhorar a
imagem do governo, assim como
uma derrota precipitar a vitória
da oposição.
Com toda a politização do futebol, com os abusos e a desorganização, está aí uma festa da
qual presidente nenhum conseguiu se apropriar, nem Médici,
cujo ato mais conhecido era dar
pontapé inicial em partida de futebol.
Quando a seleção entra em
campo, é a pátria de chuteiras,
sim, com muito orgulho, com
muita celebração. É uma pedagogia cívica das maiores.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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