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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Colapso dos EUA é sintoma de crise de longo prazo
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Criador de expressões que
fizeram história, como
"exuberância irracional" e "ganância infecciosa", o presidente
do Fed (banco central dos EUA)
não está se saindo tão bem para
explicar sua impotência diante
da crise que se prolonga. Pior,
começa a ficar perdido quando
tenta justificar por que não agiu
diante da bolha que ele mesmo,
em 1996, caricaturou como
"exuberância irracional".
Na semana passada, Alan
Greenspan declarou que não havia meios de identificar se o movimento nas Bolsas era mesmo
uma bolha especulativa, pois
"bolhas só podem ser caracterizadas depois que estouram".
A afirmação é paradoxal. Se
ele mesmo criticava a valorização excessiva antes do estouro,
como pode afirmar agora que
não havia meios de caracterizar
o ciclo de valorização de papéis
como excessivo e indesejável?
O desmonte dos mercados de
capitais nos EUA começou há
dois anos. O pico da Nasdaq
(Bolsa que concentra as ações de
empresas de alta tecnologia)
aconteceu em março de 2000.
Desde então, as perdas acumuladas pelos investidores passam
de US$ 7 trilhões. A Nasdaq perdeu 74% do seu valor entre março de 2000 e a última quinta-feira. Colapso é a palavra mais adequada para resumir essa monumental queima de riqueza.
Além da afirmação em que se
contradiz, Greenspan argumenta que, para fazer efeito contra a
euforia, o Fed teria de elevar os
juros a ponto de provocar uma
profunda recessão. Elevações
graduais seriam inócuas, a julgar por episódios em que as Bolsas, após breves quedas motivadas por elevações de juros, voltavam à espiral especulativa.
Há nesse caso outra contradição, pois Greenspan nos últimos
meses adotou a redução gradual
das taxas de juros e, mais recentemente, deu sinais de que poderia promover novos cortes
para estimular a economia.
Ora, se o gradualismo não
funciona contra a euforia altista,
qual a garantia de que a política
gradual de redução dos juros
possa reanimar a economia?
A conclusão é dramática: o
discurso do presidente do mais
importante banco central do
mundo perdeu o sentido, não
tem lógica. Há pelo menos duas
explicações para esse impasse.
Uma é aceitar que Greenspan
realmente perdeu a capacidade
de emitir juízos sobre a economia. A outra é acreditar que não
se trata de uma limitação pessoal, mas da constatação de que
manipulações das taxas de juros
são insuficientes em momentos
de crise estrutural.
Adotada essa perspectiva de
longo prazo, em que a unidade
de medida do tempo são ciclos
de 50 a 60 anos, a economia
mundial estaria chegando ao
fim de um longo ciclo cujo período de expansão rápida teve
início após a Segunda Guerra.
A taxa de crescimento cai globalmente desde os anos 70. A
economia mundial perdeu dinamismo, mas os petrodólares
(fundos acumulados por países
exportadores de petróleo) incharam os circuitos financeiros
internacionais, abrindo espaço
para operações especulativas
sem precedentes nos mercados.
Os sintomas desse descompasso entre mundo real e mundo financeiro surgiram em lugares diferentes, um após o outro.
Os principais episódios de forte
dinamismo nos mercados financeiros, a começar pela bolha
japonesa, terminaram em crises
cambiais ou financeiras.
Todos os mecanismos anticíclicos ou de regulação global falharam, da coordenação entre
políticas econômicas à atuação
de organismos multilaterais (como FMI e Banco Mundial). Nada nem ninguém parece capaz
de pôr um limite a essa irreversível desvalorização de capitais.
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