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LUÍS NASSIF
O verdadeiro Jacob e Waldir
Nos anos 50 e 60, a grande
discussão instrumental
brasileira era sobre quem era
maior: o bandolim de Jacob ou o
cavaquinho de Waldir Azevedo.
Garoto havia falecido em 1954,
antes da explosão dos LPs.
Recentemente a Petrobras patrocinou a digitalização de uma
coleção de discos com 12 mil músicas do começo do século até os
anos 60. O banco de dados está
no IMS (Instituto Moreira Salles)
do Rio de Janeiro e, em breve, estará disponível na internet.
Tem de tudo. Música digitalizada organizada por gênero, nome, autor, intérprete, datas. Procura-se a música e ouve-se na
hora. Em breve, a digitalização
revolucionará a pesquisa musical brasileira, por permitir confrontar datas, influências, gêneros.
Tem recortes de jornais também digitalizados. É um acervo
precioso, que até me permitiu
momento particular de satisfação. Sempre tive para mim que
as primeiras reportagens contemporâneas sobre Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, tinham sido de minha autoria,
uma na "Veja", em 1978 (a propósito de um LP lançado por
Paulo Tapajós, em cima de gravações de Garoto na rádio Nacional), e outra no "Jornal da
Tarde", por volta de 1980, ambas
não assinadas. No acervo, essas
duas são as únicas sobre Garoto
naquele período e nas décadas
anteriores.
Garoto era virtuose em qualquer instrumento de corda. Embora tenha revolucionado o violão, com suas composições e seu
modo de tocar sem as unhas, seu
talento maior era nos instrumentos que usavam palheta
(banjo, cavaquinho, violão tenor
e bandolim). Isso era admitido
pelo maestro Radamés Gnatalli.
Alguns anos atrás, recebi de
presente uma fita de Garoto ao
bandolim interpretando o choro
"Dinorá". Todos os recursos que
Jacob utilizaria a partir de fins
dos anos 50 até a sua morte
-que aprimoraria, que desenvolveria- estavam ali, sintetizados em uma única faixa de
Garoto.
No choro brasileiro, durante
décadas proliferaram duas escolas de bandolim. Uma pernambucana, desenvolvida por Luperce Miranda, vigorosa, ritmada,
rápida, e que deixou descendentes fantásticos, como João Macambira, com seus quase 70
anos, e Jorge Cardoso, bem mais
novo -ambos da mais fina elite
do bandolim brasileiro. Outra
escola foi a carioca, de Jacob do
Bandolim, com alguma influência da guitarra portuguesa e
uma sofisticação de sons sem paralelo.
Havia o hábito de dizer que
Luperce tinha mais técnica, e Jacob, mais coração. Confundia-se
técnica com agilidade. Luperce
tinha mais agilidade, mas Jacob
tinha mais técnica, por sua capacidade de "inventar" sons, de saber utilizar a nota certa, o recurso certo.
A influência de Jacob foi tão
massacrante que praticamente
dominou o bandolim brasileiro
por quase três décadas. São filhos
dessa escola Déo Rian, Joel e Ronaldo, no Rio, e Izaias, em São
Paulo.
Apenas no final dos anos 80 começaram a surgir bandolinistas
libertados da influência de Jacob,
como o craque Miltinho Tachinha e o Aleh Ferreira, de São
Paulo, o Hamilton de Holanda,
de Brasília, e o Pedro Amorim,
do Rio. E, obviamente, Armandinho, que emerge como um gênio
maior.
No início dos anos 80, quando
o selo Eldorado lançou o LP
"Inéditos do Jacob", escrevi artigo polêmico, sustentando que Jacob se valia do expediente de se
basear em temas de terceiros para desenvolver suas composições,
algo que Tom Jobim utilizou à
exaustão, que não pode ser caracterizado como plágio, mas
que, de qualquer forma, relativizava o papel de criador de ambos.
O acervo do IMS tem seis solos
de Garoto ao bandolim e mais
alguns ao cavaquinho. As gravações vão de 1946 a 1949, pouco
antes de Waldir Azevedo estourar com "Delicado" e bem antes
de Jacob dar seu grande salto de
qualidade, no final dos anos 50.
Pesquisei as faixas, cliquei na
música e, do alto-falante do computador, vieram os sons de Waldir Azevedo. Mais que isso, veio
um Jacob inteiro, completo, os
mesmos sons, a mesma sequência, os mesmos recursos e, em alguns casos, as mesmas músicas...
só que gravadas dez anos antes, e
por Garoto.
Nem se tire o mérito do mestre
Jacob. Seu brilho maior está em
seus cinco últimos LPs. Desses, os
três primeiros são Garoto puro.
Mas os dois últimos -incluindo
a gravação caseira de "Os Saraus
de Jacob"- são suficientes para
garantir sua manutenção no
Olimpo musical brasileiro.
Garoto não foi apenas o pai do
moderno violão brasileiro e da
bossa nova. Foi também o pai
musical da maior escola de bandolim e da maior escola de cavaquinho do país.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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