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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Liberdade de escolha
ALOIZIO MERCADANTE
O modelo neoliberal, cujo
predomínio se construiu durante os anos 80, na esteira do desmoronamento das economias de
planejamento centralizado, foi
vendido à opinião pública como o
único caminho para o crescimento, para a estabilidade econômica
e para o bem-estar social. Liberalização comercial, abertura irrestrita ao capital estrangeiro, privatização das empresas públicas, minimização do papel do Estado na
economia, revogação das normas
de proteção social e trabalhistas e
outras "reformas" destinadas a
deixar ao livre jogo das forças de
mercado a auto-regulação da economia confirmam a essência desse
modelo. Viabilizada pela afirmação de duas hegemonias -a do
capital financeiro e a dos Estados
Unidos-, essa proposta se impôs
em praticamente todos os países
da América Latina ao longo das
duas últimas décadas.
No plano teórico, essa redução
do pensamento econômico a uma
matriz única e apologética, na
qual a história cede lugar à "razão
ideológica", empobreceu o debate
econômico e excluiu do universo
profissional do economista a reflexão, o pensamento crítico e a capacidade de formulação estratégica, restringindo suas funções à de
um mero operador de políticas
pré-moldadas exogenamente.
Problemas como o crescimento
econômico e o desenvolvimento
desigual do capitalismo, para
mencionar apenas dois tópicos relevantes na reflexão dos clássicos e
de importantes pensadores contemporâneos, inclusive latino-americanos e brasileiros -como
Prebish, Furtado e muitos outros-, desapareceram do debate.
O keynesianismo foi censurado e
banido dos países periféricos, agora reduzidos à dimensão de "mercados emergentes".
Mas não foi somente o debate
econômico que se empobreceu.
Uma das principais implicações
da universalização das políticas
neoliberais foi, em nome de conceitos supostamente neutros de
"modernidade" e de "eficiência",
transferir o poder de regulação coletivo e democrático da sociedade
no domínio econômico aos atores
privados, especialmente ao sistema financeiro globalizado. Foram
os interesses desses atores, sancionados pelas instituições do capitalismo global -como o FMI, o
Banco Mundial e a OMC-, que
passaram a moldar a dinâmica
dos "mercados emergentes".
Essa concepção de política econômica fracassou em toda a América Latina. Tornou as economias
da região extremamente vulneráveis e instáveis -apesar da queda
na taxa de inflação-, promoveu
uma transferência patrimonial e
de renda sem precedentes em favor dos países centrais e de suas
grandes corporações, limitou e
tornou incerto o crescimento econômico, aumentou o desemprego
e a exclusão social e reduziu a autonomia dos Estados nacionais latino-americanos. Além disso, debilitou a democracia ao submeter
os processos e as instituições de representação política à agenda do
mercado financeiro.
O teste da realidade desnudou o
"pensamento único" e pôs em evidência as mazelas do capitalismo
sem freios e sem contrapesos. Em
vez de crescimento, estabilidade
econômica e bem-estar social, o
que ocorreu foi um aprofundamento da situação de subdesenvolvimento da região, nas multíplices dimensões desse fenômeno.
A economia brasileira não alcançou o grau de deterioração
econômica e social da argentina,
mas sintetiza, em seus dilemas
atuais, a inconsistência e a insustentabilidade desse modelo, assim
como o seu antagonismo com os
objetivos nacionais de desenvolvimento. O país necessita crescer,
mas o "mercado" exige políticas
recessivas. O país necessita aumentar o investimento em infra-estrutura e o gasto social, mas o
"mercado" exige superávits primários crescentes. O país necessita
criar mais empregos, mas o "mercado" encarece o custo do capital e
desestimula o investimento produtivo. O país necessita exportar
mais, mas o "mercado" corta as linhas de financiamento externo.
Soros já havia dito, faz algum
tempo, que, ou se elegia um candidato comprometido com o atual
modelo econômico, ou seria o
caos. Milton Friedman, em recente entrevista à Folha, disse que, se
elegerem um candidato à Presidência contrário aos interesses do
mercado financeiro, os brasileiros
deverão estar preparados para
"pagar o preço de sua liberdade de
escolha". Ora, foram precisamente
as políticas submissas aos interesses do mercado, aplicadas ao longo dos últimos oito anos, que levaram o país à situação crítica em
que se encontra. Quanto custará
continuar abdicando de nossa liberdade de escolha?
O Brasil tem de definir sua política de desenvolvimento a partir
de suas potencialidades, dos interesses e necessidades da sua população e dos objetivos estratégicos
nacionais. Precisamos de uma política que promova a inclusão social e a redistribuição da renda e
da riqueza, amplie nosso mercado
interno e supere a vulnerabilidade
externa e a fragilidade fiscal que
estrangulam nosso crescimento.
Precisamos de um novo projeto de
desenvolvimento, que preserve o
futuro de nosso patrimônio ecológico, resgate nossa imensa dívida
social, reafirme nossa autonomia
e nossa identidade cultural e promova o crescimento sustentado da
nossa economia.
É evidente que as restrições que
o país enfrenta são severas e a
margem de manobra de que dispomos é pequena. Tampouco se
desconhece a importância do sistema financeiro e do mercado de
capitais em um economia contemporânea. Mas são a democracia e
a soberania popular, por meio da
política, que determinarão o lugar
do mercado e do sistema financeiro na sociedade.
Celso Furtado, em um dos ensaios que integram seu livro "Brasil - A Construção Interrompida",
há mais de dez anos já afirmava:
"O subdesenvolvimento, como o
deus Jano, olha tanto para a frente
como para trás, não tem orientação definida. É um impasse histórico que espontaneamente não
pode levar senão a alguma forma
de catástrofe social. Somente um
projeto político apoiado em conhecimento consistente da realidade social poderá romper a sua
lógica perversa". É isso. Está na
hora de mudar.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
dep.mercadante@camara.gov.br
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