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EM TRANSE
Caso a turbulência volte ao mercado, BC pode precisar de mais de US$ 3 bilhões para intervir no câmbio, diz economista
BC pode precisar intervir mais, diz Bacha
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista Edmar Bacha, 60,
consultor sênior do banco BBA,
afirma que, caso volte o estresse
no mercado financeiro nas próximas semanas, o Banco Central deveria renegociar o acordo com o
FMI (Fundo Monetário Internacional) para tentar ampliar o limite de US$ 3 bilhões por mês para
intervir no mercado.
Para isso, Bacha diz que bastaria
um telefonema de Armínio Fraga,
presidente do Banco Central, para
Horst Köhler, diretor-gerente do
Fundo Monetário Internacional.
Bacha considera difícil o dólar
recuar para R$ 2,80, como previu
o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), enquanto continuarem as indefinições no cenário eleitoral. Ele também não
acredita na volta das linhas de crédito externas para o Brasil.
"Os analistas financeiros ainda
continuam com muito mau humor em relação ao Brasil", afirma.
Esse mau humor, segundo ele,
vem do desconhecimento, por
parte dos analistas, do processo
de rolagem da dívida interna brasileira.
Folha - Quais são as perspectivas
da economia com as ações recentes
do governo? O dólar vai continuar
em queda?
Edmar Bacha - O mercado está se
acalmando um pouco, mas enquanto o cenário eleitoral continuar indefinido, acho difícil o dólar voltar para R$ 2,80, como prevê o Ipea. Tudo depende de sabermos quem vai ganhar as eleições e
o que o novo presidente fará. A
subida de José Serra [o candidato
preferido do mercado" nas pesquisas melhora as condições do
mercado, mas há muita tecnicalidade no caminho. Tem esse problema, por exemplo, do mercado
futuro de câmbio, que vence em
todas as viradas de mês. As empresas endividadas em dólares
são "hedgeadas" [protegidas" em
real. Elas têm de pagar em dólar e
vão receber em reais, e isso provoca uma pressão no dólar pronto
[mercado à vista" todo final de
mês.
Folha - Há alguma alternativa para evitar essa pressão sobre o dólar
na virada do mês?
Bacha - Trata-se de um problema localizado na semana anterior
ao dia 1º [de cada mês". Uma maneira de contornar esse problema
seria o BC dar "hedge" em dólar
em vez de em real, mas não seria
uma boa idéia. Isso poderia atiçar
ainda mais o mau humor dos analistas financeiros externos. Outra
idéia poderia ser o BC focar a intervenção no mercado de dólar
nesses dias em vez de usar a ração
diária. Esse problema ocorre porque há escassez de linhas de crédito em dólares no mercado que
não são renovadas no final do
mês.
Folha - O sr. acredita na volta, em
breve, das linhas de crédito para o
Brasil?
Bacha - Esse corpo-a-corpo do
governo, primeiro em Nova York,
e agora, na semana que vem, na
Europa, pode melhorar o ânimo
dos bancos, mas os analistas financeiros continuam com muito
má vontade em relação ao Brasil.
Folha - De onde vem esse mau humor?
Bacha - Na minha carta ao "Financial Times" [o jornal britânico
publicou artigo de Bacha no dia
22 de agosto, no qual ele diz que
não há possibilidade de o Brasil
declarar moratória", escrevi que
esse mau humor vem do desconhecimento do processo de rolagem da dívida interna brasileira.
As pessoas tendem a se fixar em
certas relações quantitativas,
comparando o Brasil a outros países, que acabam dando uma idéia
da situação brasileira pior do que
a realidade. Basta ver o relatório
da [agência" Standard & Poor's
desta semana. As pessoas não levam em consideração que, no
Brasil, existe há mais de 30 anos
um grande mercado doméstico
cativo para financiar a dívida interna. Não quero dizer que a dívida não seja um problema. É, mas
não tão grande como estão fazendo crer lá fora. Os reguladores e as
agências de classificação de risco
colocam o Brasil numa caçapa à
qual ele de fato não pertence. O
nosso processo de rolagem da dívida interna é muito peculiar se
comparado aos demais países
emergentes.
Folha - O sr. vê riscos de o Banco
Central deixar o próximo governo
com reservas muito baixas?
Bacha - Se continuar a sair dinheiro como aconteceu em julho
e em agosto, pode haver problemas, mas todas as projeções são
de que as reservas dão para o gasto com o novo acordo com o FMI.
Claro que, se se configurar um cenário de estresse, o BC terá de tentar negociar com o FMI a ampliação do limite acertado de US$ 3
bilhões por mês para intervir no
mercado.
Folha - O sr. acha difícil o Brasil
conseguir renegociar essa parte do
acordo com o FMI?
Bacha - Não. Basta um telefonema do Armínio [Fraga, presidente do BC" para o [Horst" Köhler
[diretor-gerente do FMI".
Folha - Isto é, no caso de o dólar
continuar subindo...
Bacha - Não, se o dólar continuar subindo essa será a nossa
válvula de escape. É a melhor maneira de não sair dinheiro. Trata-se de uma troca de moedas nas
mãos de residentes. Um fica com
o dólar e o outro com o real. O dinheiro não sai. Não afeta as reservas internacionais.
Folha - Em que condições, então,
o sr. acha que o governo deveria
acertar um novo limite com o FMI
para intervir no mercado?
Bacha - Se o governo entender
que está acontecendo alguma coisa muito pontual e reversível, que
necessite de uma intervenção
mais forte para evitar uma crise financeira.
Folha - Os leilões de linha do BC
podem não ser suficientes?
Bacha - Esse mecanismo ainda é
muito recente. O pessoal lá fora
está dando uma de são Tomé
-melhor ver para crer.
Folha - Por enquanto, então, é difícil acreditar na volta do crédito?
Bacha - O problema nem é a volta das linhas de crédito, mas o de
fazer com que elas parem de cair.
O que se espera é que os empréstimos externos que vencem daqui
para a frente sejam renovados. O
pessoal não entendeu muito essa
coisa. O grande problema hoje é
que a taxa de renovação está muito baixa. O volume de vencimentos até o final do ano ainda é expressivo. O importante é estancar
a sangria. Se voltarem as linhas de
crédito, tanto melhor, mas se elas
pararem de cair já vai ser um alívio suficiente para conseguirmos
chegar bem até o final do ano.
Folha - O que o sr. acha da previsão de Armínio de crescimento de
pouco mais de 1% neste ano?
Bacha - Acho que o Armínio falou isso informalmente. O próprio Ipea está prevendo 1,7%.
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