São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Luta entre capital e trabalho sela destino financeiro europeu

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Os protestos da semana passada contra a privatização na União Européia são apenas a ponta do iceberg. Ao se recusar a reduzir as taxas de juros, o Banco Central Europeu (BCE) coloca em risco as perspectivas de recuperação não apenas da região, mas de toda a economia mundial. Os trabalhadores fazem o que podem para escapar ao papel de bode expiatório.
Muito antes do fim da Guerra Fria a opinião econômica mais conservadora já culpava os sindicatos europeus pelas dificuldades no combate à inflação. Mas o discurso está de volta com mais força: o banco central não poderia reduzir os juros porque a inflação voltou a ameaçar. E a culpa disso está na resistência dos sindicatos, na inflexível estrutura econômica européia.
O caminho para dobrar a resistência dos trabalhadores seria a privatização. Os salários ficariam flexíveis, a ameaça de inflação iria embora, e os juros poderiam cair. Enquanto isso, os juros altos inibem a produção e o investimento, ou seja, destroem empregos e, assim, contribui para quebrar os sindicatos.
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) fez um alerta que reforça essa visão. Em relatório recente mostra que os sindicatos resistem a cortes nos salários mesmo quando a economia desacelera. As leis protegeriam demais o trabalhador, e as empresas seriam lentas para se ajustar cortando preços mesmo quando a procura cai. Essas seriam as forças responsáveis pela inflação européia, acima dos 2% nos últimos dois anos, apesar do crescimento baixo (1,4% em 2001 e provavelmente menos ainda neste ano). Talvez exista uma diferença entre a resistência da inflação a cair abaixo da meta de 2% e uma pressão inflacionária causada por salários, mas não para a OCDE e o BCE.
Resta saber até quando a pressão conservadora pelo ajuste salarial e nas leis trabalhistas poderá dar as costas aos sinais de iminente crise no sistema financeiro europeu. Ocorre que a pressão contra o BCE começa a crescer também entre a elite econômica conservadora. Algumas das principais instituições financeiras européias estão no centro do que pode ser o estopim de uma crise global.
Trata-se das resseguradoras, que funcionam como agentes de distribuição dos riscos das empresas de seguros. Mais da metade das empresas que atuam globalmente estão na Europa.
Os ataques terroristas, as enchentes européias recentes e o desempenho ruim das Bolsas fragilizaram as resseguradoras. Segundo o "Wall Street Journal", enquanto as empresas americanas do setor mantêm cerca de 4% de suas reservas investidas em ações, no caso das européias a proporção chega a 30%. O colapso das bolsas americanas e a manutenção de juros elevados na UE causam ainda mais fragilidade. As seguradoras também entraram no mercado de crédito para as empresas e, nesse campo, as perspectivas são ainda mais sombrias, pois é um péssimo negócio oferecer seguro para operações de crédito num momento em que as empresas entram em colapso.
A situação do mercado segurador é ainda mais preocupante porque essas empresas também usaram e abusaram dos "derivativos". Sem regulação global e diante de um horizonte de baixo crescimento, essas instituições sofrem com a manutenção de juros elevados na UE.
O ajuste via privatização e redução de salário é a solução conservadora preferida a longo prazo. Mas, a curto prazo, capitalistas e trabalhadores podem se ver obrigados a um pacto se o BCE não reduzir os juros em favor da retomada do crescimento.


Texto Anterior: Lições contemporâneas: Bomba inflacionária
Próximo Texto: Luís Nassif: A morena de Angola
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.