|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Luta entre capital e trabalho sela destino financeiro europeu
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Os protestos da semana
passada contra a privatização na União Européia são apenas a ponta do iceberg. Ao se recusar a reduzir as taxas de juros,
o Banco Central Europeu (BCE)
coloca em risco as perspectivas
de recuperação não apenas da
região, mas de toda a economia
mundial. Os trabalhadores fazem o que podem para escapar
ao papel de bode expiatório.
Muito antes do fim da Guerra
Fria a opinião econômica mais
conservadora já culpava os sindicatos europeus pelas dificuldades no combate à inflação.
Mas o discurso está de volta com
mais força: o banco central não
poderia reduzir os juros porque
a inflação voltou a ameaçar. E a
culpa disso está na resistência
dos sindicatos, na inflexível estrutura econômica européia.
O caminho para dobrar a resistência dos trabalhadores seria
a privatização. Os salários ficariam flexíveis, a ameaça de inflação iria embora, e os juros poderiam cair. Enquanto isso, os juros altos inibem a produção e o
investimento, ou seja, destroem
empregos e, assim, contribui para quebrar os sindicatos.
A OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) fez um alerta que
reforça essa visão. Em relatório
recente mostra que os sindicatos
resistem a cortes nos salários
mesmo quando a economia desacelera. As leis protegeriam demais o trabalhador, e as empresas seriam lentas para se ajustar
cortando preços mesmo quando a procura cai. Essas seriam as
forças responsáveis pela inflação européia, acima dos 2% nos
últimos dois anos, apesar do
crescimento baixo (1,4% em
2001 e provavelmente menos
ainda neste ano). Talvez exista
uma diferença entre a resistência da inflação a cair abaixo da
meta de 2% e uma pressão inflacionária causada por salários,
mas não para a OCDE e o BCE.
Resta saber até quando a pressão conservadora pelo ajuste salarial e nas leis trabalhistas poderá dar as costas aos sinais de
iminente crise no sistema financeiro europeu. Ocorre que a
pressão contra o BCE começa a
crescer também entre a elite
econômica conservadora. Algumas das principais instituições
financeiras européias estão no
centro do que pode ser o estopim de uma crise global.
Trata-se das resseguradoras,
que funcionam como agentes de
distribuição dos riscos das empresas de seguros. Mais da metade das empresas que atuam
globalmente estão na Europa.
Os ataques terroristas, as enchentes européias recentes e o
desempenho ruim das Bolsas
fragilizaram as resseguradoras.
Segundo o "Wall Street Journal", enquanto as empresas
americanas do setor mantêm
cerca de 4% de suas reservas investidas em ações, no caso das
européias a proporção chega a
30%. O colapso das bolsas americanas e a manutenção de juros
elevados na UE causam ainda
mais fragilidade. As seguradoras
também entraram no mercado
de crédito para as empresas e,
nesse campo, as perspectivas
são ainda mais sombrias, pois é
um péssimo negócio oferecer
seguro para operações de crédito num momento em que as
empresas entram em colapso.
A situação do mercado segurador é ainda mais preocupante
porque essas empresas também
usaram e abusaram dos "derivativos". Sem regulação global e
diante de um horizonte de baixo
crescimento, essas instituições
sofrem com a manutenção de
juros elevados na UE.
O ajuste via privatização e redução de salário é a solução conservadora preferida a longo prazo. Mas, a curto prazo, capitalistas e trabalhadores podem se ver
obrigados a um pacto se o BCE
não reduzir os juros em favor da
retomada do crescimento.
Texto Anterior: Lições contemporâneas: Bomba inflacionária Próximo Texto: Luís Nassif: A morena de Angola Índice
|