|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Bomba inflacionária
LUCIANO COUTINHO
O atual governo lega ao sucessor uma potente bomba
inflacionária, que já começou a
explodir e que provocará graves
efeitos retardados nos próximos
meses. Com efeito, a asfixia cambial decorrente da rejeição a investir e a emprestar ao país por
parte dos investidores e dos bancos estrangeiros cobra um preço
elevado a uma economia cujas
contas externas foram imprevidente e temerariamente vulnerabilizadas. A forte depreciação da
taxa de câmbio nos últimos meses
já provocou um grande impacto
sobre os preços no atacado -pela
sua média trimestral, o IPA corre,
hoje, ao ritmo de 90% ao ano. Esse impacto, que agora começa a
chegar ao varejo e aos consumidores, põe em risco a grande conquista da era FHC: a derrubada e
a estabilidade da inflação.
Como se pode ver no gráfico, o
choque inflacionário sobre os preços ora em curso é bem mais violento que o provocado pela flutuação da taxa de câmbio no início de 1999. Em vários momentos
nos últimos anos, esses choques
sobre o IPA (atacado) foram contidos e absorvidos, causando, não
obstante, um impacto mais atenuado sobre o IPCA. Este, em várias dessas ocasiões, superou a
barreira dos 10% ao ano.
Na conjuntura atual, porém, a
média móvel do IPCA já corre a
20% ao ano e, por isso, muitos cenaristas respeitados já projetam
que, dificilmente, a inflação ao
consumidor fechará 2003 abaixo
de 15%. Teme-se a formação de
um círculo vicioso de aceleração
dos preços com risco de retorno
da indexação generalizada.
Com o crédito externo ao país
praticamente travado, a pressão
cambial já trouxe o dólar usado
como referência para a formação
de preços nas cadeias produtivas
para acima de R$ 3,30, e o custo
das importações, pressionado pelo próprio real sobredesvalorizado, enfraquece a concorrência externa aos produtores domésticos,
viabilizando uma taxa mais elevada de repasse das pressões de
custo aos preços.
Algumas tabelas de preços que o
varejo está recebendo parecem
embutir aumentos não totalmente explicados por custos, mas que
refletem posições antecipatórias
de inflação em alta -embora se
pratiquem, por enquanto, descontos que amortecem sua propagação ao consumidor. Não há
ainda, contudo, indícios de que a
inflação ao consumidor esteja
sendo repassada aos salários, restaurando os mecanismos de indexação em desuso desde a consolidação do Real. Porém a inevitável
continuidade das tensões inflacionárias sobre o IPCA nos próximos meses tende a exacerbar as
demandas por proteção das rendas que estarão sendo corroídas
pela inflação.
Antepõe-se, pois, à equipe econômica que será designada pelo
presidente eleito o desafio de evitar a volta da inflação descontrolada, com a desmoralização do
regime de metas, sem sacrificar de
forma desnecessária o nível de
emprego e a situação do setor empresarial. Será uma tarefa difícil.
Apesar da constatação de que se
trata principalmente de uma inflação de custos, economistas ortodoxos reclamam por um forte
choque de juros para derrubar a
economia e reduzir as chances de
reindexação. Um choque muito
forte de juros acarretaria um grave e indesejável impacto negativo
sobre a dívida interna, exigindo
um novo choque fiscal. O resultado seria uma recessão muito forte, resultado de um mix de política econômica provavelmente inconsistente, dados os efeitos contraproducentes dos juros mais
elevados e do choque fiscal sobre
a trajetória das finanças públicas.
A inflação, porém, cairia após
meses de terríveis sacrifícios.
A alternativa a essa perspectiva
é obter o quanto antes uma descompressão da taxa de câmbio. A
nova equipe econômica deve infundir confiança nos mercados, e
o novo governo deverá atuar no
plano político internacional para
minorar o bloqueio ao Brasil. O
Banco Central, por sua vez, precisará atuar com muita competência na rolagem da dívida indexada ao câmbio, aproveitando o
cronograma mais leve de vencimentos nos primeiros meses de
2003. Será ainda imprescindível
sustentar o superávit fiscal primário e calibrar a política de juros para evitar que o cálculo dos
investidores a respeito do juro
real futuro das aplicações financeiras fique negativo ou muito
baixo. Ademais, será necessário
mostrar tolerância zero com relação à reindexação (aluguéis, planos de saúde, mensalidades escolares, salários etc.). Será crítica a
batalha para curvar as expectativas de inflação afastando-se o risco do aceleracionismo. Ao vencê-la, em conjunto com a redução da
vulnerabilidade externa, o governo Lula conseguirá, finalmente,
conquistar o desenvolvimento
sustentável com o qual o Brasil
sonha.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
Texto Anterior: Opinião econômica: O partido do medo Próximo Texto: Tendências internacionais: Luta entre capital e trabalho sela destino financeiro europeu Índice
|