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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Reservas asiáticas elevam a incerteza econômica global
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Os países asiáticos, que
praticamente inauguraram o ciclo de crises financeiras
que seria afinal apenas o primeiro capítulo de uma crise em escala global, estão cheios de reservas em dólar.
Os efeitos sobre a economia
internacional dessa massa de
dólares em mãos de governos
asiáticos preocupam. Tanto no
"Financial Times" quanto no
"The Wall Street Journal" o assunto mereceu destaque nos últimos dias. Lideranças do G-7
também fizeram críticas.
A acumulação de dólares reflete uma política deliberada de
desvalorização das moedas locais. Essa desvalorização torna
os produtos asiáticos mais competitivos, o que é bom para as
empresas da região. Mas há dúvidas sobre os efeitos de longo
prazo dessa opção estratégica.
A moeda chinesa já acumularia uma desvalorização real de
25% e seria um dos fatores responsáveis pela desvalorização
do dólar com relação ao euro.
Gerando superávits no comércio exterior e acumulando reservas, a China consegue manter a
sua moeda estável com relação
ao dólar. Se o governo chinês
permitisse a flutuação do yuan,
a tendência seria a uma valorização com relação ao dólar.
Segurando o câmbio, na prática a China vai ganhando competitividade e acumula ainda mais
reservas. O déficit comercial dos
Estados Unidos com a China foi
de US$ 103 bilhões no ano passado (é o maior entre todos os
parceiros comerciais dos EUA).
A pressão ocidental em favor
de uma liberalização cambial
que produziria a valorização do
yuan cresce ainda mais com o
aumento no déficit público esperado nos EUA, também um
fator de desvalorização do dólar.
O BC chinês acumulou US$ 74
bilhões em reservas no ano passado (equivale a quase todo o
volume de reservas dos EUA),
colocando seu estoque total em
US$ 286 bilhões, inferior só às
reservas do Japão (US$ 460 bilhões). Com esse poder financeiro em mãos, o governo chinês
consegue controlar sua moeda e
dosa a liberalização econômica a
seu critério, apesar das pressões
ocidentais para abrir o mercado,
deixar o câmbio flutuar e liberar
as taxas de juro.
O Japão também opera nos
mercados para evitar a valorização do iene. A estratégia é manter a forte inserção do país no
comércio internacional, hoje
uma das poucas fontes de dinamismo da economia do país.
O conjunto das economias
asiáticas (excluída a japonesa)
acumulou US$ 153 bilhões em
reservas no ano passado, atingindo US$ 927 bilhões.
O contraste com as receitas de
política econômica seguidas ao
sul do Equador é gritante. No
Brasil, os defensores de uma política de acumulação de reservas
internacionais são considerados
"jurássicos" protecionistas. Na
prática, o poder do BC do Brasil
sobre o mercado cambial depende da disponibilidade de
crédito externo.
Nessas condições, a capacidade de formular e implementar
políticas econômicas diferentes
do figurino desenhado pelo FMI
obviamente são mínimas.
Para queimar suas reservas e
ocupar uma posição menos
agressiva no comércio internacional, as economias asiáticas
teriam de aceitar a valorização
de suas moedas. Isso levaria a
uma retração dos setores exportadores, com ampliação dos setores de serviços e do consumo
doméstico, beneficiando exportadoras de países ocidentais.
Num momento em que os
atritos e a falta de coordenação
política e econômica entre EUA
e UE estão em primeiro plano, o
"bloco" asiático representa mais
uma fonte de incerteza sobre a
divisão de poder no sistema econômico internacional.
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