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COMÉRCIO BILATERAL
Blocos apresentam novas propostas, e negociação, ainda que tímida, está mais adiantada do que a Alca
Mercosul dá segundo passo com a Europa
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A negociação entre a União Européia e o Mercosul dará amanhã
um passo adiante da Alca (Área
de Livre Comércio das Américas),
mas, ainda assim, continuará a
haver um abismo entre o apetite
das partes pelo mercado da outra
e as ofertas concretas de abertura.
O avanço nas conversas será a
apresentação das chamadas ofertas revistas (e melhoradas), em relação às que foram postas à mesa
no ano passado.
A Alca, ao contrário, acaba de
atingir, em janeiro, o primeiro estágio, o de ofertas iniciais. A proposta norte-americana, aliás, foi
considerada altamente insatisfatória pelo Mercosul, que respondeu como uma oferta igualmente
tímida. No caso UE-Mercosul, as
ofertas revistas tampouco serão
suficientes para entusiasmar as
duas partes.
A UE ofereceu, no ano passado,
reduzir ou eliminar tarifas de importação para 91% de tudo o que
compra dos quatro países do
Mercosul. A abertura de 62% desse total seria imediata, 10% adicionais em quatro anos, 11% em
sete anos e, o resto, em dez anos.
Pode parecer que 91% é um naco suculento, e é assim que os europeus entendem. Mas o embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães, que coordena, pelo Brasil, as negociações sobre a proposta com os outros três sócios do
Mercosul, diz que "o problema
não é a tarifa, mas o que tem por
trás dela".
É uma alusão ao fato de que a
UE usa mecanismos como alegações fitossanitárias e barreiras técnicas para proteger seu mercado,
em especial o agrícola.
Pelos cálculos de Simas Magalhães, os 91% oferecidos pelos europeus reduzem-se a cerca de
33% quando se calcula que acesso
novo e adicional o bloco do Sul terá ao suculento mercado dos 15
países europeus. Por isso mesmo,
a proposta inicial do Mercosul ficou em 33,1% do comércio e tende a continuar sendo modesta, insuficiente para atender o apelo do
comissário europeu de Comércio,
Pascal Lamy. Lamy cobra uma
"oferta suficientemente ambiciosa para poder avançar nas negociações".
É o que reclama, dos europeus,
também o chanceler brasileiro
Celso Amorim: "A nossa proposta será significativa, na expectativa de que a ela corresponderá a
colocação pelos europeus de produtos que nos interessam. Se não,
será preciso rever tudo".
Rebate Lamy: "Dependerá da
substância que contenha a oferta
do Mercosul a possibilidade de
apresentarmos ou não uma nova
proposta".
Esse diálogo de surdos parece
um impasse sem saída, mas é típico de negociações comerciais
complexas.
Afinal, a formação de uma área
de livre comércio entre a UE e o
Mercosul, objetivo final das negociações, criaria o maior bloco comercial do planeta e o primeiro
envolvendo países que não são
fronteiriços.
Da mesma forma, a formação
da Alca também significaria a
maior área de livre comércio do
mundo. É por isso que as negociações têm também um fundo político, ao menos do ponto de vista
da União Européia.
Lamy tem dito reiteradamente
que o Mercosul interessa à Europa não apenas como mercado,
mas também como meio de "reforçar a natureza multipolar do
sistema internacional".
Embora funcionário internacional, Lamy é francês, e a França está envolvida em uma queda-de-braço com os EUA, em torno do
Iraque, que tem como pano de
fundo exatamente o risco representado pelo fato de o mundo ter
se tornado unipolar em função da
absoluta hegemonia dos EUA.
Os negociadores comerciais evitam admitir que o ângulo político
pode contaminar a discussão.
Mas a reunião em que as novas
ofertas de UE e Mercosul serão
discutidas (a partir de 17 de março, em Bruxelas) coincidirá, em
princípio, com o auge da tensão
no Iraque -ou, talvez, com uma
guerra já em andamento.
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