|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Metas de inflação: desinflar até onde?
ALOIZIO MERCADANTE
Estudos recentes sobre as
políticas de metas de inflação
revelam que elas não são superiores às outras políticas alternativas. Mas, ao implicarem regras
explícitas de reação da autoridade monetária, maior transparência na comunicação com a sociedade e ampla disponibilização de
dados, tornam um pouco mais
acessíveis os Bancos Centrais, geralmente tão distantes da sociedade, o que é um ganho institucional e democrático.
Como a política plena de metas
tem apenas dois objetivos explícitos -a desinflação e a conquista
da estabilidade dos preços-, é
importante debatê-los mais detidamente. O que determina o ritmo de desinflação? Qual a taxa
de inflação que expressa estabilidade de preços? Não são questões
banais, tampouco inócuas, já que
por trás delas estão objetivos mais
amplos -não da política monetária, mas da política econômica
de qualquer governo, vale dizer, o
crescimento da atividade econômica, do emprego e da renda.
Alguns países determinam o ritmo da desinflação em função de
exigências institucionais. É o caso
daqueles que ingressaram na
União Européia (Espanha) ou
que buscavam se qualificar para
tal (Polônia, Hungria e República
Tcheca). Outros consideram prioritariamente o custo para o crescimento econômico e o emprego.
O Chile demorou oito anos para
reduzir sua inflação de 26% para
6%, e a Inglaterra, dez anos para
reduzir de 5,9% para 1,8%.
Não há uma regra econômica
para a determinação do ritmo de
desinflação, tampouco é essa uma
decisão dos Bancos Centrais. Via
de regra, o ritmo é determinado
pelos governos, que têm legitimidade política para decidir uma
questão que afeta todos os cidadãos e empresas de um país. A
meta de inflação -de 8,5%, 5,5%
ou 4,5%- depende da disposição
da sociedade, aferida pelo governo, em suportar sacrifícios a curto
prazo em troca de benefícios a
longo prazo, já que políticas monetárias restritivas implicam, no
horizonte imediato, crescimento
menor do PIB, taxas de desemprego maiores, inadimplência no
crédito e assim por diante.
Outra questão está na definição
de estabilidade de preços. Será ela
encontrada quando as taxas de
inflação forem de 0%? Vários países desenvolvidos adotaram essa
abordagem, mas perceberam que,
quando a inflação se aproximava
de zero, os sinais econômicos
eram todos de deflação, e não de
estabilidade. Estudos acabaram
por revelar que, devido a problemas nos métodos de coleta e cálculo nas pesquisas de preços, havia uma superestimação sistemática das taxas de inflação. Nos
EUA, estabeleceu-se que ocorre
estabilidade de preços quando os
índices de preços ao consumidor
estão em torno de 2% a 2,5%. Autores como o prêmio Nobel George Ackerlof e também Edwin Truman, que foi membro do Comitê
de Política Monetária do Fed (o
banco central norte-americano),
referendam esses números. O primeiro, aliás, sugere que, em países
emergentes, esse número seja
maior.
O fato é que não se sabe ao certo
qual é a taxa de inflação que define estabilidade de preços no Brasil. Não há estudos sobre esse tema tão crucial, o que deveria ser
realizado pelos institutos -IBGE, FGV, Fipe, Dieese- rapidamente. O que sabemos é que, em
60 anos, o IGP-DI só foi menor
que 5,5% em dois momentos: em
1947 e em 1998, ambos anos de
queima atroz de reservas. Isso
não significa que 5,5% seja o limite de estabilidade, tampouco que,
após mudanças econômicas estruturais tão profundas nesse período, o valor não seja menor.
Mas significa que é necessário ter
cautela para não entrarmos em
um espaço pouco crível de metas
de inflação e perigosamente próximo do que poderia ser o limiar
de uma deflação.
A preservação da credibilidade
do sistema de metas exige a fixação de metas que possam ser realizadas sem sacrificar desnecessariamente o crescimento. Nos últimos cinco anos do sistema atual,
as metas não foram cumpridas
em três deles. É fato que o contexto internacional tende a tornar-se
mais adverso para o Brasil, com a
possibilidade de crescimento das
taxas de juros norte-americanas e
o surgimento de novas tensões financeiras em países emergentes
(Rússia, Turquia e Peru) e também em alguns setores das economias desenvolvidas -pois já reaparecem denúncias de fraudes em
balanços de grandes corporações.
Choques adversos no câmbio, se
ocorrerem, certamente pressionarão a inflação local. Apontar uma
meta decrescente para 2005, nesse
ambiente, não é recomendável. É
preferível usar as margens de tolerância, previstas para cima mas
também para baixo.
Sabemos que a política monetária não é e não deve ser o único
instrumento de combate à inflação -o que demanda também
políticas industrial, agrícola, de
infra-estrutura e fiscal-, mas é
uma âncora fundamental para
realizar a convergência de expectativas da sociedade. Assim, com
base nas considerações acima, sugerimos que as metas para 2005 e
para 2006 sejam estabelecidas em
5,5%, mantendo-se a tolerância
de 2,5 pontos percentuais para
mais ou para menos. Ao mesmo
tempo, as políticas estruturais de
ampliação da produtividade sistêmica devem ser aceleradas.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail - mercadante@mercadante.com.br
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: O prêmio da coragem Próximo Texto: Panorâmica - Agenda: Fed decide os juros na terça-feira Índice
|