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ANÁLISE
Perda de confiança nos EUA derruba dólar
PERONET DESPEIGNES
CHRISTOPHER SWANN
DO "FINANCIAL TIMES"
Desde que o dólar começou sua ascensão diante de
outras moedas na metade dos
anos 90, analistas prevêem que a
alta teria vida breve. Em lugar disso, a moeda se manteve valorizada, ignorando o estouro da bolha
da alta tecnologia, a recessão e os
ataques de 11 de setembro.
Agora, no momento em que os
EUA começam a se recuperar da
recessão, o dólar parece vulnerável. Na última semana, a moeda
chegou a cair à cotação mais baixa
em 15 meses diante do euro. De
março para cá, as perdas em relação à moeda européia são de 9%.
"Existe entre os analistas uma
percepção cada vez maior de que
a era do dólar invencível está finalmente se encerrando", diz Michael Lewis, estrategista de câmbio do Deutsche Bank.
Essa debilidade se deve parcialmente a dúvidas sobre o vigor da
recuperação econômica. A retomada parece ter se baseado mais
no aumento dos gastos públicos e
na reposição de estoques do que
em uma virada no investimento.
Mas muitos economistas acreditam que algo de mais profundo
esteja ocorrendo. "Existe um problema real, emergente, de percepção", diz Greg Valliere, da corretora Charles Schwab. "É discutível
que a situação real seja de fato tão
ruim, mas houve uma alteração
na percepção quanto ao clima para investimentos."
O calcanhar-de-aquiles do dólar
tem sido o déficit em conta corrente. O rombo deve atingir US$
465 bilhões neste ano. Isso significa que os EUA precisam atrair
US$ 1,3 bilhão em fundos externos a cada dia a fim de impedir a
queda do dólar. Enquanto os investidores internacionais corriam
para comprar ações e títulos norte-americanos, isso não era problema. Mas a categoria do dólar
como destino primordial da poupança mundial está sob ameaça.
Os influxos financeiros que permitiam que o dólar bancasse o
imenso déficit em conta corrente
parecem estar desaparecendo. No
ano passado, o influxo líquido
mensal médio foi de US$ 44 bilhões. Nos dois primeiros meses
deste ano, a média caiu para US$
14,6 bilhões. "Há sinais de que a
primazia dos EUA como destino
dos investidores está sob ameaça", diz George Magnus, economista-chefe do UBS Warburg.
Existem sinais de que os administradores de fundos de investimentos estão perdendo a fé nas
empresas norte-americanas. A última pesquisa trimestral da Merrill Lynch com administradores
de fundos concluiu que a maioria
deles estava inclinada a reduzir o
peso dos papéis norte-americanos em suas carteiras. Apenas
22% dos pesquisados acreditavam que a perspectiva dos lucros
empresariais era melhor nos EUA
do que em outras regiões, ante
42% em fevereiro.
Existem agora diversas preocupações sobre as empresas norte-americanas. "Os investidores costumavam hesitar quanto à Ásia
devido ao capitalismo de compadres lá praticado. Agora, muitos
deles vêem o mesmo problema
nos EUA", diz Magnus.
As contas nacionais mostram
que os lucros das grandes empresas vêm caindo como proporção
do Produto Interno Bruto (PIB)
desde 1997, enquanto as empresas
que compõem o índice S&P 500
têm reportado crescimento de lucros superior ao do PIB. Isso indica que os lucros reportados oficialmente foram maquiados por
meio de contabilidade criativa.
Efeito Bush
Brian Wesbury, economista-chefe da empresa de investimentos Griffin, Kubik, Stephens &
Thompson, diz que a alta nos gastos públicos durante o governo
Bush (a maior desde a guerra do
Vietnã) está desviando recursos
do setor privado. Em seu relatório
econômico anual, o governo diz
que os esforços antiterroristas podem deprimir o crescimento econômico, porque mais mão-de-obra e capital serão desviados para a área de segurança, desfalcando a produção. Ao mesmo tempo,
os investidores começam a se
preocupar com a possibilidade de
que as medidas protecionistas
nos setores siderúrgico e agrícola
travem a liberalização comercial.
Enquanto cresce o ceticismo
quanto ao desempenho da economia norte-americana, os investidores vêm redescobrindo o entusiasmo pelo investimento externo. Poucos esperam que a zona
do euro seja capaz de emular o rápido crescimento norte-americano na década de 90. Mas há esperança de que a economia européia
esteja começando a sentir os efeitos benéficos da unificação da
moeda sobre a competição. Em
março, administradores de fundos investiram US$ 3,8 bilhões líquidos em ações da zona do euro
e outros US$ 3,6 bilhões em títulos -o primeiro saldo líquido positivo da região desde novembro.
Círculo reverso
Economistas também estão impressionados com diversas economias asiáticas, especialmente a
Coréia do Sul, que está demonstrando capacidade de gerar crescimento doméstico em lugar de
depender simplesmente da demanda americana para suas exportações. Mesmo o Japão, uma
economia na qual muitos haviam
perdido a esperança, deve se beneficiar de uma virada cíclica positiva, com a volta da demanda
mundial por seus produtos.
Os entusiastas dos EUA argumentam que os rumores sobre o
terreno conquistado por outras
economias são prematuros. Dizem, especialmente, que a desaceleração dos investimentos nos
EUA é temporária e que a economia ganhará força, causando renovação do investimento. Entretanto, mesmo aqueles que acreditam nos EUA reconhecem que o
dólar pode cair ainda mais nos
próximos meses. "Não é que estejamos esperando que os EUA percam a liderança, mas sim que
caiam um pouco", diz Stephen
Roach, economista-chefe do
Morgan Stanley.
Os EUA se acostumaram a um
influxo contínuo de dinheiro internacional, o que favorece os
preços das ações e os investimentos, além de ajudar a preservar os
juros baixos e controlar a inflação.
Se os investidores se convencerem de que o dólar está em queda,
a saída de capital pode se acelerar.
"O risco é de que o círculo virtuoso de alimentação entre a economia, os mercados e o dólar, que
deu tão bons resultados no final
dos anos 90, se torne um círculo
vicioso", diz Rory Robertson, estrategista do Macquarie Bank.
Tradução de Paulo Migliacci
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