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AVIAÇÃO CIVIL
Presidente da quarta maior fabricante de aeronaves do mundo critica protecionismo e anuncia fábrica na China
Lobby de pilotos dos EUA atrapalha Embraer
LÁSZLÓ VARGA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A Embraer, quarta maior fabricante de aviões do mundo, vive
hoje uma situação paradoxal. As
companhias aéreas de vários países estão sedentas de aeronaves
regionais, que transportam até
120 passageiros. O objetivo delas é
eliminar a ociosidade existente
em modelos grandes -como
Boeing ou Airbus-, resultante
do desaquecimento da economia
e também do impacto psicológico
dos atentados de 11 de setembro.
A Embraer, como todos os seus
concorrentes, no entanto, não
conseguiu, de janeiro a abril, emplacar nenhuma venda de avião.
Somente em maio teve êxito na
comercialização de um Legacy,
seu modelo de jato corporativo.
Segundo seu diretor-presidente,
Maurício Botelho, 59, essa estagnação nos negócios se deve à falta
de financiamentos de aviões por
parte de bancos internacionais,
receosos de perderem o dinheiro
nos empréstimos, e também a algumas cláusulas trabalhistas existentes em países como os Estados
Unidos.
Os sindicatos dos pilotos e as
companhias aéreas americanas
têm um acordo que limita o número de vôos regionais, a fim de
impedir a redução dos salários
dos trabalhadores.
Na entrevista a seguir, concedida à Folha no Rio, na sede do grupo Bozano -um dos sócios da
Embraer-, Botelho critica esse
protecionismo e anuncia os novos passos da companhia, que terá uma fábrica de aviões na China.
Folha - Após os atentados de 11
de setembro a Embraer previu que
haveria aumento na venda de jatos
regionais. Isso não ocorreu. O que
está acontecendo?
Maurício Botelho - Dois fatores
básicos são responsáveis pela situação. Depois de setembro, houve uma fuga dos passageiros nas
companhias aéreas. O que causou
uma queda brutal na venda de
passagens e, portanto, na receita
das empresas. Essas companhias
decidiram então usar mais seus
jatos regionais, que antes atuavam apenas em trajetos de municípios do interior para grandes cidades. Hoje realizam vôos anteriormente efetuados por aviões de
grande porte. Existem aviões da
Embraer fazendo o trajeto Lisboa-Hamburgo, por exemplo. Só
que a crise econômica mundial
contribuiu para diminuir os negócios do setor. Os bancos que financiam aquisições de aeronaves
suspenderam os empréstimos,
com receio de não terem o retorno do investimento. Isso começa
a mudar agora. Os negócios de jatos regionais enfrentam ainda um
sério problema em países como
os Estados Unidos. Existe um
acordo entre os pilotos e as companhias aéreas para que o uso de
jatos regionais seja limitado.
Por quê?
Botelho - Porque um piloto de
jato regional ganha bem menos
que um piloto de vôos de longa
distância. É um acordo absurdo,
que tem limitado os negócios nos
Estados Unidos. É uma restrição
de mercado. Existe, no entanto,
um lobby das companhias aéreas
para acabar com essa cláusula específica de trabalho, que em inglês se chama "scope clause". Se a
restrição cair, o mercado de jatos
regionais nos Estados Unidos vai
explodir. Ele representa atualmente 65% das nossas vendas.
Folha - Por que as companhias
aéreas dos EUA simplesmente não
compram jatos de médio porte, de
70 passageiros, para fazer frente às
restrições aos jatos regionais?
Botelho - Porque elas teriam de
reposicionar pilotos de vôos de
longa distância para rotas mais
curtas. Um piloto de longa distância ganha mais que um regional.
As companhias não querem bancar esse ônus. A situação é complicada, mas acredito que a tal
cláusula deixará de existir em breve. Outro fator que também tem
limitado as vendas no momento é
a existência de 2.000 aviões parados no mundo, por falta de passageiros. A maioria é de aviões grandes. Cerca de 1.300 dessas aeronaves não vão voltar ao mercado,
porque elas estão superadas. Isso
favorecerá nossas vendas. Existem, porém, 800 aeronaves que
voltarão a operar. Isso atrapalha
nossos planos.
Folha - Como está o ritmo de entrega de aviões?
Botelho - Depois de 11 de setembro, tivemos de rever todos os
planos. Vários clientes pediram
para adiar a entrega de aviões. No
início de setembro, entregávamos
17 aeronaves por mês. A média
mensal do último trimestre foi de
10 aviões. Antes dos atentados,
pretendíamos entregar 220 aviões
em 2002. Agora trabalhamos com
a perspectiva de 135. O mercado
de aviação regional está se aquecendo, mas o ritmo é lento. Em
compensação, nossa produtividade já se recuperou. Antes dos
atentados, entregávamos 4,5
aviões regionais por mês. Logo
depois, o índice passou para 5
aviões mensais. No último trimestre voltamos a trabalhar com 4,5
aeronaves por mês.
Folha - No dia 11 a Embraer inaugura seu centro industrial em Gavião Peixoto, no interior de São
Paulo. Ele será responsável por
qual tipo de atividade?
Botelho - A unidade de Gavião
Peixoto permitirá, por exemplo,
que façamos os testes dos nossos
aviões de defesa no Brasil. Para isso, construímos uma pista de cinco quilômetros. Até agora éramos
obrigados a levar as aeronaves para os Estados Unidos, em pistas
da Boeing. O que não fazia o menor sentido. Gavião Peixoto vai
concentrar também a produção
de aviões de defesa e do Legacy,
nosso avião corporativo. Com isso, a unidade de São José dos
Campos [no interior de São Paulo", onde fica nossa sede, vai se dedicar apenas aos aviões regionais.
O ritmo de produção desses modelos é muito mais rápido, de 4,5
unidades por mês. Já uma aeronave de defesa pode exigir 18 meses.
O que atrapalha a produção dos
aviões regionais. A médio prazo,
queremos ainda atrair fábricas de
componentes de aeronaves para
Gavião Peixoto. Tornar a cidade
um pólo industrial de aeronáutica. A indústria japonesa Kawasaki, que faz estruturas de aviões, já
está com uma filial no município.
Folha - Isso diminuirá as importações da Embraer?
Botelho - Não muito. A Embraer
é a maior exportadora do Brasil.
Respondeu por US$ 2,8 bilhões
em 2001. É a segunda maior importadora, abaixo da Petrobras.
Importou US$ 1,8 bilhão em 2001.
O pólo de Gavião Peixoto vai contribuir com uma pequena redução nas importações, mas vai melhorar sobretudo nossa logística.
Se ganharmos a concorrência que
a Força Aérea Brasileira realiza
para adquirir cerca de 12 caças de
última geração, vamos fabricar o
Mirage em Gavião Peixoto.
Folha - Quais as chances de a
companhia ganhar a concorrência?
Botelho - Ficarei extremamente
frustado se a Embraer não for escolhida. O Brasil tem, neste momento, a chance de poder fabricar
localmente esse tipo de caça, absorvendo toda a tecnologia. Os
grupos franceses Dassault e Thales concordaram em abrir o código de fonte dos softwares do Mirage, que representa o coração
tecnológico da aeronave. Poucas
empresas fizeram isso no mundo.
Para ter uma idéia, o governo do
Chile fechou há alguns meses um
contrato de compra de caças da
Lockheed Martin, dos Estados
Unidos. Só que o governo americano exigiu que o estoque de mísseis ficasse no seu território. Isso
contraria a soberania de um país.
Folha - Quando a Embraer entrega ao governo os aviões militares
do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia)?
Botelho - Os dois primeiros
aviões, um de controle remoto do
solo [MB 145 RS" e outro de alerta
aéreo avançado [Embraer
AEW&C", serão entregues no
próximo dia 10. Outros seis serão
entregues posteriormente.
Folha - A Embraer vai construir
uma fábrica na China?
Botelho - Sim. É um mercado
com potencial enorme, e a construção da unidade pode começar
ainda neste ano. No início vamos
apenas montar aviões, com a produção apenas de algumas peças,
mas, conforme a evolução da fábrica, iremos fabricar aeronaves
na China. É um processo de evolução industrial natural.
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