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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Capitalismo moderno
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O economista inglês J. A.
Hobson, em seu livro clássico, "Modern Capitalism", cuja
primeira edição é do final do século passado, desenhou, de forma
pioneira, os contornos teóricos do
assim chamado capitalismo da
grande empresa, dos bancos e da
predominância do cálculo financeiro sobre a estratégia produtiva.
É impressionante a sua atualidade.
Na visão de Hobson, a forma
"moderna" assumida pelo capitalismo foi desenvolvida a partir
das modificações ocorridas na
economia americana, na virada
do século 19 para o 20. Os resultados das transformações observadas bem merecem a qualificação
de "capitalismo moderno", sobretudo no sentido de que o surgimento e o desenvolvimento da
grande corporação americana se
constituem no embrião nacional
do desdobramento transnacional
do grande capital.
Hobson, da mesma maneira
que Hilferding fez para a Alemanha, acentuou corretamente o
papel do capital financeiro para
explicar o surgimento da grande
empresa americana e o caráter de
sua hegemonia futura. As mudanças radicais operadas na organização industrial da grande
empresa vão acompanhar o aparecimento de uma "classe financeira". Isso significa que as estratégias empresariais passaram a
depender fundamentalmente das
avaliações dos que operam a máquina monetária das sociedades
industriais desenvolvidas, isto é,
dos grandes bancos.
Assim, diz Hobson, "a reforma
da estrutura empresarial à base
do capital cooperativo, mobilizado a partir de inúmeras fontes
privadas e amalgamado em
grandes massas, é utilizada em
favor da indústria lucrativa por
diretores competentes das grandes corporações". Como se vê,
Hobson coloca o acento na "classe
financeira" na condição de comandante estratégica da grande
empresa.
Na verdade, o que distingue essa forma de capital financeiro das
que a precederam historicamente
é o caráter universal e permanente dos processos especulativos e de
criação contábil de capital fictício. A natureza intrinsecamente
especulativa da gestão empresarial traduz-se, nessa modalidade
de "capitalismo moderno", pela
importância crescente das práticas destinadas a ampliar o valor
do capital existente mediante técnicas de alavancagem e, no limite, expedientes pouco recomendáveis de "esquentamento de preços", como ficou demonstrado à
saciedade no período recente. Vide as privatizações brasileiras.
A estimativa real do valor dos
ativos é calculada a partir de sua
capacidade de ganhos. Se os ativos tangíveis podem ser avaliados
pelo seu custo de produção ou reposição, aqueles de natureza não-tangível só podem sê-lo através de
sua capacidade líquida de ganho.
Esta, por sua vez, só pode ser estimada como o valor capitalizado
da totalidade dos rendimentos futuros esperados menos o custo de
reposição dos ativos tangíveis.
Aqui reside a elasticidade do
capital, comumente utilizada pela "classe financeira" para ampliar a capitalização para além
dos limites da capacidade "real"
de valorização. Dessa forma, a capacidade putativa de ganho de
uma grande companhia, independentemente de como seja financiada, repousa fundamentalmente no controle dos mercados e
na força de suas armas de concorrência e é, portanto, mesmo amparada em métodos avançados
de produção, altamente especulativa em seu valor presente.
Entre as práticas de valorização
fictícia incluem-se tanto as que
são executadas nos mercados de
capitais como as exercidas mediante a manipulação de preços
dos ativos a serem submetidos ao
controle das diversas frações do
capital monopolista. Por isso os
modelos de avaliação tentam dar
a aparência de rigor ao que, na
verdade, é subjetividade e arbítrio.
O conjunto da economia monopolista só pode avançar com o
alargamento do crédito. Hobson
fala do duplo papel desempenhado pelos bancos no financiamento das grandes companhias: primeiramente como promotores e
subscritores (e frequentemente
como possuidores de grandes lotes de ações não absorvidas pelo
mercado) e, em segundo lugar,
como comerciantes de dinheiro
descontando títulos e adiantando
liquidez. Torna-se evidente que a
dominação da indústria capitalista é exercida fundamentalmente pelos bancos. E, à medida que o
crédito vai se tornando a força vital dos negócios modernos, a classe que controla o crédito se vai
tornando cada vez mais poderosa, tomando para si como seus lucros uma proporção cada vez
maior do produto da indústria.
O sistema financeiro e de crédito é, portanto, a pedra angular da
moderna economia capitalista
em dois sentidos fundamentais: 1)
adianta recursos livres e líquidos,
para sancionar a aposta do empresário que resolveu gastar, colocando o seu estoque de capital em
operação e contratando trabalhadores; 2) promove diariamente a
avaliação e a negociação dos títulos de propriedade e de dívida que
conferem direito à apropriação
da renda e à transferência da riqueza.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe
da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e
Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
Hoje, excepcionalmente, não é
publicado o artigo da economista
Maria da Conceição Tavares.
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