São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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ARTIGO

Crescimento subsidiado não é saída para a crise

KENNETH ROGOFF
DO "FINANCIAL TIMES"

NO PRIMEIRO aniversário da crise econômica mundial, é hora de reexaminar não apenas as estratégias para enfrentá-la mas também o diagnóstico que as embasa. Não se tornou claro, agora, que os principais desafios macroeconômicos que o mundo precisa enfrentar hoje são a demanda excessiva por commodities e uma oferta excessiva de serviços financeiros?
Caso a resposta seja afirmativa, então é hora de parar de estimular a demanda agregada e ao mesmo tempo bloquear a reestruturação e a consolidação do sistema financeiro.
A alta acentuada na inflação dos preços mundiais das commodities é prova contundente de que a economia mundial continua a crescer rápido demais. Isso nada tem de sinistro.
O mundo acaba de passar por possivelmente o mais notável boom de crescimento da história moderna. Dada a imensa ascensão cumulativa do crescimento mundial nos anos 2000, pouco admira que os fornecedores de commodities enfrentem crescente dificuldade para acompanhar a procura, mesmo com grandes altas nos preços.
Para muitas commodities, especialmente a energia e os metais, ampliar a oferta requer prazo de cinco a dez anos. Em princípio, a resposta da procura é mais ágil, mas vem sendo fortemente amortecida por ampla variedade de subsídios e distorções nos mercados emergentes.
Na ausência de uma recessão mundial significativa (que quase certamente resultaria em colapso nos preços mundiais das commodities), provavelmente seriam necessários dois anos de crescimento sustentado a fim de reequilibrar a oferta e a procura das commodities a preços mais sintonizados às tendências de longo prazo (talvez US$ 75 por barril para o petróleo, ante os atuais US$ 124). Enquanto isso, se todas as regiões tentarem manter crescimento elevado por medidas de estímulo macroeconômico, o principal resultado será uma alta nos preços das commodities e um crash ainda maior no futuro não tão distante.
À luz da experiência dos anos 1970, é surpreendente que tantos dirigentes econômicos e especialistas em economia acreditem que a política econômica deveria ter por objetivo continuar a promover uma alta na procura.
Nos Estados Unidos, o imperativo do crescimento serviu de justificativa a restituições tributárias agressivas, a fortes cortes nas taxas de juros e a um resgate mais amplo às instituições financeiras. A liderança chinesa, depois de flertar temporariamente com o combate à inflação -expressa por aceleração temporária na valorização do yuan-, reafirmou a prioridade dominante do crescimento. A maioria dos demais mercados emergentes vem seguindo abordagens mais ou menos semelhantes.

Política monetária
Os países do bloco do dólar imitam de maneira servil a política monetária expansiva dos Estados Unidos, mesmo em regiões como o Oriente Médio, onde o crescimento rápido vem gerando forte pressão de alta na inflação. Das grandes regiões, apenas a Europa, sob o comando do BCE (Banco Central Europeu), resistiu a aderir ao programa de estímulo, até o momento. Mas mesmo o BCE começa a sofrer crescente pressão interna e internacional, dada a desaceleração no crescimento europeu.
Os países, individualmente, podem ver algum benefício de curto prazo, em termos de crescimento, nas medidas de estímulo macroeconômico ao modo dos Estados Unidos, ainda que à custa de deflagrar maiores expectativas inflacionárias e de pagar preço possivelmente alto no futuro para retomar o controle sobre elas. Mas, se todas as regiões tentarem promover expansão da demanda, até mesmo os benefícios de curto prazo seriam mínimos. Os limites físicos das commodities limitarão a resposta real da produção no mundo, e a maior parte da demanda excedente se fará sentir na forma de inflação mais elevada.
Alguns dirigentes de bancos centrais argumentam que não há causa de preocupação, desde que o crescimento dos salários continue sob controle. É fato que a globalização continua a reduzir a participação dos salários de trabalhadores não capacitados na renda mundial. Mas, à medida que os preços dos bens subirem, pressões salariais serão inevitáveis. Como Carmen Reinhart e eu demonstramos em nossa pesquisa sobre a história das crises financeiras internacionais, governos de todos os cantos se mostraram perfeitamente capazes de promover índices elevados de inflação muito antes que pudessem contar com a assistência dos modernos sindicatos.

Inflação
E quanto à crise financeira cada vez mais profunda como justificativa para uma política macroeconômica expansiva em todo o mundo? É difícil defender esse argumento em mercados emergentes, em que a inflação ferve, mas, mesmo nos países centrais, ele vem se tornando mais e mais dúbio. A estabilização da inflação não pode ser comprometida por prazo indefinido a fim de dar sustentação a atividades de resgate. Por mais conveniente que possa ser a perspectiva de anos de inflação elevada para ajudar a resgatar os proprietários de imóveis e as instituições financeiras, é preciso ponderar essa vantagem diante do custo, no longo prazo, que a retomada do controle sobre as expectativas inflacionárias acarretaria. E tampouco é óbvio que o contribuinte deva absorver passivos contingentes em alta (tais como a ampliação das garantias à Fannie Mae e Freddie Mac, as gigantescas agências hipotecárias dos Estados Unidos).
De fato, se não for permitido que companhias financeiras saiam do negócio, de que maneira exatamente os bancos centrais e as autoridades regulatórias pretendem promover a contração do setor financeiro que precisa ser realizada a fim de acompanhar a queda acentuada em atividades relacionadas à securitização de hipotecas e derivativos? Talvez as autoridades regulatórias esperem que todas as empresas do mercado se reduzam cada qual entre 10% e 15%. Mas a consolidação em qualquer setor raramente funciona dessa maneira.
Em lugar disso, as empresas mais fracas quebram e suas partes saudáveis são adquiridas ou elas são expulsas do mercado por empresas mais bem administradas. Toda falência é prova de crise?
O setor de transporte aéreo passa por freqüentes períodos de excesso de capacidade, e empresas gigantescas fecham as portas ou promovem fusões.
Mas nos acostumamos a esses traumas e aprendemos a conviver com eles, como acontece em diversos outros setores. É correto permitir que o setor bancário tome países inteiros como reféns a cada vez que passa por uma consolidação? À medida que os bancos centrais oferecerem crédito a bancos de investimento cujas linhas de negócios estão evoluindo e fervilhando constantemente, "crises" de consolidação certamente se tornarão mais freqüentes.

Regulamentação
Por inúmeras razões, técnicas e políticas, a regulamentação dos mercados financeiros jamais será severa o bastante nos ciclos de expansão. É por isso que é importante que seja mais dura nas contrações, de modo que os investidores e os executivos das empresas tenham motivo para prestar séria atenção aos riscos.
Se instituições financeiras mal geridas não forem autorizadas a fechar as portas em recessões, quando exatamente permitiremos que quebrem? É claro que a bagunça de hoje levou anos para surgir, e não há estratégia de saída fácil e indolor. Mas a necessidade de introduzir mais disciplina no setor bancário é mais motivo para que as autoridades econômicas rejeitem uma política macroeconômica excessivamente expansiva, em um momento como este, e aceitem a desaceleração que inevitavelmente deve surgir ao final de um boom tão incrível. Para a maioria dos bancos centrais, isso significa elevar as taxas de juros a fim de combater a inflação.
Para os Tesouros, significa manter a disciplina fiscal e não ceder à tentação de promover restituições de impostos ou subsidiar os combustíveis. Nas tentativas das autoridades econômicas de evitar uma recessão escancarada por choque de oferta, elas estão assumindo riscos excessivos com a inflação e a disciplina orçamentária, que podem, por fim, resultar em crise muito maior e mais prolongada.
KENNETH ROGOFF é professor de economia na Universidade Harvard e foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional
Tradução de PAULO MIGLIACCI



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