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OPINIÃO ECONÔMICA
Óleo para a máquina do mundo
RUBENS RICUPERO
Segundo o ator Matt Damon,
que atribui a opinião a um
amigo, apenas três seqüências superariam a inspiração da obra
original: o Novo Testamento é
melhor que o Antigo; "Huckleberry Finn", de Mark Twain, é superior a "Tom Sawyer", e "O Poderoso Chefão 2", a "O Poderoso
Chefão 1". Devo dizer, quanto ao
terceiro exemplo, que não estou
convencido. Acho que, na série de
Coppola, à medida que os descendentes americanos se afastam da
raiz siciliana, mais decai a nobre
raça. Mas isso talvez se deva a minhas origens e paixão pela Sicília,
que me atrai bem mais que Las
Vegas...
Não sei a que conclusões chegaríamos se aplicássemos o critério
à época atual, comparada aos
anos 70, dos quais parece às vezes
continuação. Eu vivia em Washington, 30 anos atrás, e me surpreende, com freqüência, a sensação do déjà vu. A combinação
economia de guerra -crise de
petróleo- e instabilidade cambial, conduzindo à redução do
crescimento econômico, é o plágio
principal do enredo, que não se limita a copiar esse aspecto. Alguns
atores ou não mudaram de papel
ou só o fizeram ligeiramente. Donald Rumsfeld, por exemplo, já
era o secretário de Defesa de Gerald Ford, e Richard Cheney também comandava a Casa Branca,
só que na qualidade de chefe da
equipe presidencial. A fim de que
o leitor possa dar-se conta do inusitado dessa continuidade, basta
perguntar-se se seria concebível,
no Brasil de hoje, reprisar -se vivos fossem- os generais Silvio
Frota e Golbery do Couto e Silva,
na Defesa e na Casa Civil, respectivamente!
Tenho pensado muito nisso ao
ler as manchetes dos últimos dias:
bombas e combates diários no
Iraque, o barril de petróleo a US$
50, as transações especulativas
em moedas atingindo a média espantosa de quase US$ 2 trilhões
por dia (US$ 1,9 bilhão, segundo o
BIS, de Basiléia), tudo isso obrigando o FMI a rever para baixo
-embora ainda de leve- suas
previsões de expansão para a economia mundial. Que outras semelhanças ou diferenças em relação ao último período de coincidência desses fatores poderiam
sugerir-nos alguma pista sobre o
que nos espera? A respeito da singularidade política da etapa que
vivemos, não preciso acrescentar
ao que escrevi, inclusive na semana passada. Já o que sucede com o
petróleo mereceria exame demorado, quem sabe em mais de um
artigo.
Habituamo-nos tanto à montanha-russa do petróleo que nem
percebemos como a crise de energia é, no fundo, uma anomalia e
uma exceção na evolução da economia internacional. Desde que
se iniciou, há mais de 200 anos, a
Revolução Industrial, nunca tinha havido problemas específicos
de escassez ou preço com a fonte
de energia que movia a máquina
do mundo, o carvão a princípio, a
eletricidade depois. Mesmo quando, a partir do começo do século
20, o petróleo passou a ocupar posição cada vez mais dominante,
nada indicava um desvio qualquer em relação à lei invariável
da sociedade industrial: a garantia da abundância e da eliminação das carências em todos os domínios, dos alimentos às roupas e
artigos de consumo durável. Tal
sensação durou tanto que, em
1964, quando se reuniu em Genebra, a 1ª Unctad, com o programa
de examinar todas as questões relevantes do comércio e da economia, o petróleo foi praticamente
ignorado, pois custava cerca de
US$ 2 o barril, menos que água
mineral! Não se passariam dez
anos para que o mundo despertasse da ilusão de que teria para
sempre energia a preço de banana.
Desde então, os preços do petróleo quadruplicaram em 1973-1974 e quase triplicaram em 1979-1980, tendo se multiplicado por
cerca de 20 vezes entre o início e o
fim da fase de alta (1973-1980).
Depois dos dois choques altistas
dos anos 70, registrou-se em 1986
um "choque às avessas", responsável pelo desabamento das cotações até 1990. Após novas oscilações, outro choque ocorre, entre o
início de 1999 e o outono de 2000,
levando o barril do Brent de US$
10 a mais de US$ 30. Mais recentemente, o óleo situou-se primeiro
ao patamar de US$ 40 o barril e,
já agora, vamos nos acostumando, ao menos por enquanto, a vê-lo ao redor de US$ 50.
O que diferencia o momento
atual dos choques da década de
70? A primeira grande diferença é
que, em 1973 e 1979, o choque foi
sobretudo de oferta: a elevação de
preços pela Opep, a suspensão de
fornecimento durante a Guerra
do Yom Kippur e da Revolução
no Irã. Hoje, o choque vem da demanda, que teve o crescimento
mais alto em duas décadas. Devido à aceleração econômica mundial, a demanda, entre 2002 e
2004, aumentou em 3,6 milhões
de barris diários, a China contribuindo com 36% do aumento, e
os EUA, com 24%. O Reino Unido, que era exportador de óleo,
passou, a partir de junho, a importador líquido, o mesmo que
sucedera à China depois de 1993.
A tendência é que a pressão do lado da demanda continuará a
provir da China, da Índia e de outros países em vias de expansão.
Em contraste, as economias maduras tendem, em termos relativos, a reduzir seu consumo, quer
porque poupam energia, quer
porque crescem menos.
Ainda assim, as disparidades a
corrigir são gigantescas. Hoje em
dia, os países ricos (1 bilhão de habitantes) consomem 4,5 toneladas de equivalente de petróleo
(TEP) por pessoa, anualmente, ao
passo que os países em desenvolvimento (5 bilhões de habitantes)
consumem, em média, apenas
0,75 TEP! Não é, portanto, de admirar que, enquanto os desenvolvidos vêm aumentando seu consumo de petróleo a taxas de dois
dígitos, nos últimos 20 anos, nas
economias em desenvolvimento,
a expansão tem sido vertiginosa:
de 306% na Coréia do Sul, 192%
na China, 240% na Índia e 88%
no Brasil.
A Agência Internacional de
Energia estima que, nessas condições, a demanda continuará a
crescer a 1,9% ao ano e poderá
passar dos 82 milhões de barris
diários atuais a 120 milhões em
2025, ou seja, 50% a mais. Além
do aumento do consumo, um fator complicador é a limitada capacidade de refino, principalmente nos Estados Unidos, e a dificuldade de superá-la em boa
parte por razões ambientais, o
que explica a falta freqüente de
gasolina. Finalmente, um poderoso elemento a estimular a busca
de preços melhores pelos produtores é a desvalorização do dólar,
que faz com que o aumento em
dólares de 90%, desde o início de
2002, se traduza em elevação de
apenas 40% em euros e de 60%
em ienes.
Se, do lado da demanda, o panorama é, assim, de pressão contínua e em aumento, vejamos, na
próxima semana, quais são as
perspectivas da oferta, a fim de
garantir (talvez) que não falte
óleo à máquina do mundo.
Rubens Ricupero, 67, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo
Itamar Franco).
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